Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Midiatização das emoções coletivas 117 te improvável que um pregador da paz fale utilizando os tiques de um narrador esportivo ou os de um general posicionado no campo de batalha. Dublar a voz de um personagem irado como Mussolini com a de um conciliador como o Dalai Lama produz efeito humorístico, o que diverte o ouvinte por sua inadequação retórica. O afeto produzido nos interlocutores pela oralidade é tema clássico da história da comunicação. No caso valem sobre- maneira os recursos mnemônicos do orador, entre eles a rima, o ritmo, a pronúncia e a ênfase tônica. Através deles se educavam as novas gerações e se estimulavam os combatentes a saírem à luta no campo de batalha. O que se dizia pela voz do ancião tribal visava também fortalecer a fé nas crendices comunitárias. Saber falar foi um atributo igualmente valorado na Grécia antiga, onde somente 10 por cento da população era (parcamente) alfabeti- zada, e depois, durante toda a Idade Média até a Modernidade, quando finalmente o mundo das letras e o da mídia tornaram-se canais bem mais frequentes de interação social. O atributo da voz ser capaz de estimular os sentimen- tos do ouvinte era e continua a ser um dos principais vieses da oralidade. Esta propriedade explica o fascínio que a conversa- ção intimista e os encontros face a face continuam a ter para as pessoas. Esse é o caso também dos encontros comunais. Neles a cantoria coletiva e o discurso emocional de um pregador são capazes de elevar os espíritos, ou ainda de atormentá-los com o medo e a raiva. Entre os atributos da voz está sua capacidade de dramatizar a injustiça, mobilizar a esperança, liberar o stress , gerar energia emocional, afirmar a identidade e expressar a in - dignação moral. A sociabilidade ensina a pessoa a inferir dessa variação de tom um significado, entre eles a surpresa, a ironia, a raiva e o medo. A preocupação com o tema é típica dos cantos sacros. Esta forma de cantar a oração foi consolidada por ser eficiente instrumento de estimulação social. Tal resultado é chamado na tradição cristã de adoracionismo, tema referido na etapa ante- rior de minha fala. Em última instância, a melodia de uma fala é uma das maneiras através das quais a pessoa se apresenta ao interlocu- tor. Ela serve também como elo de integração de certa comuni-

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