Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

A midiatização do movimento “Coletes Amarelos”: religião e política 161 medida, um sentido para o conceito de sociedade pós-secular (HABERMAS, 2008). A presença protestante nos Champs-Ely- sées e nas redes sociais de apoio à mudança social ou a mobi- lização de “coletes amarelos católicos” (foto 8) mostram, para além das mensagens circunstanciais, uma emancipação do religioso que, sem abandonar o espaço íntimo como um lugar de retiro, se dá voz na esfera pública. Assim, a midiatização do movimento dos “Coletes Amarelos”, por induzir a publicização do religioso, exerce uma influência significativa no próprio sentido de reivindicações sociais. Mais exatamente, a emoção que produz a fusão da aglomeração de cidadãos traz a marca de um social que voltou a ser espiritual, um social em última análise transmutado da lógica discursiva em retórica religiosa. As reivindicações tornam-se queixas, as queixas são associa- das à esperança – uma referência espiritual – e à esperança, a salvação da vida e o desprezo pelos bens materiais se opõem e o portador da cruz transmite os valores de uma “Marianne” penitente 6 (foto 9). Por fim, a midiatização do movimento dos “Coletes Amarelos” indica uma tendência que merece ser observada na esfera pública: o político está mais uma vez dessecularizado. De fato, quando o grande debate político armado pelo gover- no para atender às expectativas do movimento dos “Coletes Amarelos” acontece em igrejas – como, por exemplo, na pa- róquia de Belloy-sur-Somme perto de Amiens –, a dessecula- rização da política é eficaz (foto 10 e 11). A dessecularização da política, neste contexto, aparece ainda mais se conside- rarmos a declaração de Emmanuel Macron durante o debate com os intelectuais: “Jamais pediria a ninguém na República que acreditasse moderadamente ou não, eu faço, não me im- porto. Quero que todos possam acreditar livremente, que pos- sam ser tão absolutos em sua fé quanto precisam para vivê- -la. Mas peço-lhes que respeitem absolutamente todas as re- gras da República” (https://www.franceculture.fr/politique/ la-laicite-selon-emmanuel-macron). 6 Marianne é uma figura feminina que simboliza a República Francesa. A imagem reaparece na proclamação da República Portuguesa e na efígie da nota de 100 reais no Brasil. Sua inspiração é a obra A Liberdade guiando o Povo de Eugène Delacroix.

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