Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

A imagem em circulação: estilhaçando o olhar e a memória 191 tecido da sociedade por suas lógicas e operações específicas. Uma destas diz respeito à fabulação. Mbembe (2018, p. 60), autor que não trata da midiati- zação, mas do conflito de raças, se refere à ideia do negro como uma problemática de fabulação. Isto é, a razão negra se constitui de um conjunto de vozes, de enunciados, de afirmações equivo - cadas, “cujo objeto são a coisa ou as pessoas de origem africana e aquilo que afirma ser seu nome e sua verdade (seus atributos e qualidades, seu destino e suas significações enquanto segmen - to empírico no mundo)”. Este conjunto de enunciados constitui uma atividade de fabulação, portanto, uma forma de narrar o mundo e, nesse ato, de produzir imagens sobre ele. Para Mbem- be (2018, p. 60), “A razão negra designa um conjunto tanto de discursos como de práticas – um trabalho cotidiano de inven- tar, contar, repetir e promover a variação de fórmulas, textos e rituais com o intuito de fazer surgir o negro enquanto sujeito racial”. Neste sentido, o autor considera que a fabulação carrega negações e profundas marcas de poder, pois, se o mundo é o que vemos, aquilo que é excluído deixa de existir enquanto ser. A abordagem, embora possa soar desconexa com a ideia de midiatização, não é. As operações para dar a ver e tor- nar visíveis, hoje, passam por pelo menos duas instâncias im- portantes, diferentes da ideia do sujeito racial do comércio ne- greiro trazida por Mbembe, mas que também resultam em um imaginário midiático restritor e na perda do direito de imagem do sujeito. Dentre estas instâncias, podemos dizer que a fabu- lação não está centralizada; isto implica construções diversas. Poderíamos supor, então, que o acesso ao espaço da narração do mundo, da criação de imagens em potência elimina o “efeito da razão negra”. Contudo, ao contrário, vemos que a diversida- de de oferta em produção não significa a pluralidade de oferta de sentidos em circulação. Fausto Neto (2013) sempre faz este alerta de que os desníveis na produção de sentido permanecem, porque eles não se resolvem pelo acesso ao espaço discursivo, nem mesmo à tecnologia. A segunda instância, que diz respeito ao modo de fabular o mundo, está ligada ao que deixa de exis- tir. Se para Mbembe há um desaparecimento histórico que não é recuperável porque muito está na oralidade do sujeito que foi apagado enquanto tal, na sociedade em midiatização, os sujei-

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