Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

A imagem em circulação: estilhaçando o olhar e a memória 193 tensão sobre as lógicas de agenciamento da imagem em termos de poder. Assim, nosso objeto empírico, portanto, nosso caso, é constituído por dois acontecimentos apartados no tempo e no espaço, mas unidos pela presença da criança enquanto vítima, por formas de intolerância quanto ao poder 2 e por aspectos de incivilidade evidenciados nos jogos interacionais, inclusive no direito à visibilidade. Desta forma, adotamos como premissa de nossa in- vestigação que as imagens midiáticas carregam imagens ante- riores, frutos de discursos e temporalidades outras, mas que se presentificam como sombras em nossas produções atuais, afe - tando os modos de reconhecimento, em especial as suas condi- ções. A partir desta consideração, este texto se propõe a analisar duas dinâmicas de conflito, entendidas aqui como dinâmicas de midiatização, que são bastante distintas em termos de proces- sualidades e lógicas, mas que envolvem elementos comuns: a) imagens midiáticas e imaginários; b) ampla circulação; c) atores sociais e instituições midiáticas e, por fim, d) lógicas de agen- ciamento da imagem em termos de controle/poder. Estas duas dinâmicas serão abordadas já a partir da relação com a empiria. 3. O imaginário tecido pelo social: infâncias em conflito Falar de Aylan Kurdi já parece nem mesmo ser neces- sário. A simples menção ao nome do menino sírio encontrado com o rosto voltado para as areias claras do mar da Turquia (se é que ele realmente foi encontrado assim, tendo em vista as inú- meras imagens que discutem a possível adulteração do local do “encontro” do corpo) já aciona nossa memória visual e afetiva. A imagem produzida pelas lentes da fotógrafa Nulifer Demir, que, em poucos segundos, conquistou o trending topics do Twitter, foi capa de praticamente todas as publicações jornalísticas do mun- do, transformou-se em símbolo da tragédia da Síria 3 a partir do 2 Quando mencionamos formas de intolerância quanto ao poder, nos referimos à ideia do eixo sul-global, expressão que será revisitada neste texto não na pers- pectiva econômica. 3 A discussão sobre o papel simbólico ou de imagem-síntese do caso Aylan Kurdi pode ser vista em Rosa (2017).

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