Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

A imagem em circulação: estilhaçando o olhar e a memória 201 Neste sentido, estamos diante de um conjunto de ope- rações e lógicas de midiatização mobilizadas que interferem no imaginário midiático e, consequentemente, no reconhecimento. Num primeiro momento, a imagem do menino ferido foi posta em circulação, mas foi retirada, numa espécie de proibição. Al- gumas imagens são proibidas pelo próprio Facebook com a ale- gação de que são impróprias. Contudo, quando o trabalho das instituições jornalísticas inicia, a morte é vista com descrédito e desconfiança; afinal, há um enfrentamento entre o poder da Polícia e o poder dos Traficantes, ficando a comunidade refém dos discursos elaborados sobre si, da violência sofrida na pele e simbolicamente da fabulação dos outros sobre si. A comoção só ocorre neste caso num segundo momento, quando a mãe entra em cena já velando o filho. E ainda que alguns veículos tenham trazido a imagem do caixão, é o não corpo, a camiseta, que lhe dá vida. Enquanto imagem, enquanto materialidade, Marcos Vini- cius não existe, ele se traduz num pedaço de pano. 4. Entre o estilhaçar do olhar e o estilhaçamento da memória O trocadilho estilhaçar e estilhaçamento não é só um jogo de palavras. Aqui nos interessa entender como se dão as lógicas de agenciamento das imagens a partir do acionamento de operações de produção e reconhecimento. Estamos diante de duas situações que envolvem conflitos e que são conflitos midia - tizados. Se, no primeiro caso, temos a guerra da Síria e a crise migratória dela derivada, no segundo, temos a complexidade da guerra civil, da violência dos conflitos armados entre polícia e milícias que já resultaram em números bastante expressivos de vítimas. A imagem de Kurdi tem o efeito de estilhaçar o olhar. A fotografia, quando chega a nossos olhos, causa uma ruptura. Não importa quem seja a criança, não importa o nome, mas a sua capa- cidade de representar a todos, inclusive a criança que fomos, gera um afetamento. Ainda que não se queira ver, esta imagem adere a outras posteriores. Além disso, há um elemento central: ela nos atinge contemplativamente. O nosso olhar é para algo que está lá,

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