Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Antônio Fausto Neto 222 Uma semana após, interpelado por um jornalista so- bre a elevação do número de casos de óbito, o presidente de- fende-se e adota outro tipo de denegação, ao dizer, de modo sarcástico: “Ah, ô cara, quem fala de... eu não sou coveiro, tá? Não sou coveiro” (Terra, 20/04/2020). Mesma reação repete- -se e, diante de pergunta de jornalista sobre os casos de óbito em elevação, faz brincadeira com o próprio nome, ironizan- do a sorte e o destino dos mortos: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (Terra, 28/04/2020). Aparentando maior conformismo com os índi- ces de aumento de casos, profere discurso que naturaliza e, ao mesmo tempo, vulgariza a epidemia: “Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como ho- mem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com realidade. É a vida, todos nós iremos morrer um dia” (Glo- bo/G1, 20/04/2020). Justifica a demissão do seu primeiro ministro da Saúde autodesignando-se como porta-voz do povo: “A visão minha é um pouco diferente do ministro Mandetta, que está focado em seu Ministério. Minha visão tem que ser mais ampla, dos riscos maiores. Eu tenho o dever de decidir, não posso me omitir, tenho que buscar aquilo que o povo que acreditou em mim quer” (Va- lor Econômico, 17/04/2020). Porém, o ministro demissionário, ao se despedir dos seus colegas de Ministério, reitera a defesa das teses de saberes em cooperação e cuja tônica impôs às po- líticas contra o avanço do vírus: “Este problema de demissão é insignificante. Nada tem significado que não seja na defesa da vida, do SUS e da ciência. Fiquem [ao se reportar aos seus auxi- liares] nestes três pilares que deles vocês conquistarão tudo. A ciência é a luz, é o iluminismo. Apostar todas as suas energias através da ciência. Não tenham uma visão única e nem pensem dentro de uma caixinha” (FSP, 16/04/2020). 4.2. Quando dizer é f zer? O dispositivo criado na entrada do palácio presidencial continua sendo o lugar onde o presidente, ao mesmo tempo que é homenageado pelos seguidores, agudiza seus ataques verbais aos jornalistas.

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