Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Trajetórias do coronavírus e interpenetrações de discursos sociais 223 Estes continuam sendo alvo de críticas e ataques do presidente, segundo escalada verbal. O tom e os efeitos da enun- ciação de mensagem dirigida pelo presidente a jornalistas evo- cam ameaça que ultrapassaria as fronteiras linguísticas, pois ele faz uma ordenação cujo limite é a interrupção de qualquer mensagem por parte do jornalista interlocutor. Ao ser questio- nado por um repórter sobre mudanças na Polícia Federal, or- denou, violentamente, em tom injuntivo: “Cala a boca! Cala a boca!” (FSP, 10/05/2020). O retrucamento veio do próprio cam- po jornalístico, de um ombudsman de um jornal: “Não estamos em guerra e é preciso assegurar que o ‘cala a boca’ morreu e o seu fantasma não nos assusta”. É no contexto deste cenário, nos limites deste ambiente e segundo protocolos intempestivos, que se tornam mais tensas as formas de contato do presidente com as instituições midiáticas. Agrava o modo de responder per- gunta de jornalista sobre a sua responsabilidade diante do gran- de número de mortes causadas pelo coronavírus, e afirma, em resposta: “A pergunta é tão idiota que não vou responder” (FSP, 29/04/2020). Pela tática de “contra-ataque verbal”, recusa-se a responder a pergunta. Algo parecido com estes dois incidentes repete-se dias depois. Ao ser inquirido por um repórter sobre o mesmo assunto, retruca: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (ESP, 28/04/2020). Deslo- ca a tentativa de resposta à pergunta sobre a mesma questão desdenhando a figura dos governadores e prefeitos: “A imprensa tem que perguntar ao Dória por que mais gente está perdendo a vida em São Paulo. Não adianta a imprensa botar tudo na minha conta. A minha opinião não vale, o que vale são os decretos dos governadores e prefeitos” (FSP, 29/04/2020). Com a nomeação do segundo ministro da Saúde, ataca mais uma vez as diretri- zes sobre o relaxamento. Mas, em resposta às pressões do pre- sidente, o novo ministro da Saúde, recém por ele nomeado, rea- firma as teses sanitárias. E manda lhe dizer que “ninguém está pensando em relaxar o isolamento. Neste momento ninguém está pensando em flexibilizar nada. Tem uma diretriz pronta, um ponto de partida, mas não dá para começar uma liberação social, quando você tem uma curva em franca ascendência” (El País, 30/04/2020).

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