Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Antônio Fausto Neto 228 dores. E, em resposta, não só anuncia sua recusa ao pedido de interação, como enuncia de modo injuntivo a sua não realização, ao ordenar a saída da mulher do enquadre interacional por ela tentado. “Se você queria falar, saia daqui, que você foi ouvida. Co- bre seu governador. Saia daqui” (Yahoo Notícias, 10/06/2020). Neste cenário em que a Covid-19 se espraia, a raciona- lidade do discurso político sofre desafio e revés. De um lado, o convite para se deslocar para outro contexto relacional. De ou- tro, da parte do presidente, a recusa da interação ao convidá-la para seguir adiante em outra rota, pois ele permanecerá naquela em que circula o “discurso de combate”. O discurso político re- nuncia a interpenetrações com discursividades, uma vez que os postulados do seu funcionamento não contemplam outras ten- tativas de interações. O presidente recusa-se a seguir os seus coletivos, se- gundo a escuta de um discurso cujos efeitos o remeteriam para um outro enquadre de compreensão, para além dos presumíveis efeitos do seu discurso combatente. Ao ser interpelado pela mu- lher que, emergindo de seus coletivos, cobra dele um outro pro- tagonismo para compreender de outra forma o desenrolar das trajetórias do vírus, o presidente recusa-se, anunciando que ali permaneceria, juntamente com aqueles com quem manteria as trajetórias de combate. Ao se colocar como alguém que delega, o presidente incita seus pares a uma missão, cujo efeito de delegação os ex- põe à situação de conflagração. Emerge uma prática que põe os atores mais em situações de combate do que em situações de diálogo, conversação ou compreensão. Parece ser problemática a circunstância pela qual delega a seguidores uma ação fiscaliza - tória revestida pelos ingredientes e motivações que emanam da racionalidade sugerida exclusivamente pelo próprio líder. No encontro tentativo entre a militante e o presiden- te, temos um outro enquadre comunicacional, no qual alguém que emerge no contexto dos coletivos convida o presidente a um outro empreendimento de escuta, cuja prática retira o “homem ordinário” do papel fiscalizatório, como ventilara o presidente ao exortar seus seguidores a fiscalizar hospitais. Também retira - ria o presidente da condição de fiscalizador das práticas sociais, ao ser convidado para um protocolo que lhe possibilitaria de-

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