Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Lucrécia D’Alessio Ferrara 284 existe. Ou melhor, não existiria se os sistemas de computadores não tivessem que coexistir em um ambiente de línguas cotidianas (KITTLER, 2017, p. 377-380). Entender que o software deve ser a escritura do hard- ware justifica a analogia entre o software e o sistema de línguas não isolantes que caracteriza quase todas as línguas ocidentais, e, nessa aproximação analógica, compreende-se por que o soft- ware não existe. Admitir que ele só se sustentaria como lingua- gem do hardware , se fosse capaz de gerar seu próprio sistema significante e sua própria semântica alheios à matriz progra - mada do hardware , seria necessário considerar que o software é tão simbólico como qualquer linguagem e, portanto, capaz de trocar informações com o meio ambiente que o envolve e mui- to distante da programação de um sistema técnico. Se o softwa- re não existe, a linguagem técnico-digital é, tão somente, uma programação. A visão de mundo tecnológico de Kittler é a de ummun- do sem software , sem linguagem e, sobretudo, sem consciência ética ou política da tecnocracia substancial do cotidiano. A pre- sença excessiva de um software ausente como linguagem explica a razão pela qual o filósofo da técnica e o estudioso da teoria da mídia se refugia, no final do século e mais precisamente a partir de 1995 (GUMBRECHT, 2017, p. 517), na cultura grega à procu- ra de um desvelamento, capaz de superar a técnica programada que limitaria a consciência e a autonomia do ser. Sem ser um apocalíptico, Kittler não foi um integrado, mas procurou, na sua Teoria da Mídia, o sentido da tecnicidade para o homem. 4. Um presente sem história A epígrafe de McLuhan que inicia esse trabalho chama atenção não só para as transformações culturais decorrentes dos novos meios, mas para a absorção daqueles meios, que será tão rápida quanto mais densa for a interiorização desses novos recursos tecnológicos que os aproximam da biologia. Mas essa interiorização exige uma dimensão histórica, por mais ilusória que possamos considerar essa pretensão em um momento que

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