Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Polarização como estrutura da intolerância (uma questão comunicacional) 303 Os dois componentes assinalam, assim, o aspecto de produção conjunta da comunicação – pela escolha e pela adap- tação dos códigos já disponíveis. Mais que apenas a busca dos objetivos próprios dos participantes, o processo comunicacional – em seus múltiplos episódios no âmbito da cultura – gera ten- tativamente os códigos requeridos, seja por invenção social, seja por adaptação constante e reajustes do já dado. Assim como os códigos sempre requerem inferência – tanto para a articulação entre compartilhamentos não coplanares como para o ajuste à especificidade da circunstância –, o trabalho inferencial, tenta - tivo, no enfrentamento das urgências e desenvolvimento de es- tratégias, é o que gera e estabiliza códigos interacionais na me- dida em que as tentativas confirmem sua pertinência. Os dois elementos se elaboram mutuamente, na própria prática da inte- ração comunicacional. Paralelamente, sublinhamos que os mais simples epi- sódios comunicacionais fazem acionar toda uma diversidade de elementos compartilhados: a língua verbal, a gestualidade, as expressões habituais do conjunto participante, os padrões esta- belecidos relativos ao contexto imediato da questão, e ainda os meios e as mediações acionados, com sua panóplia de incidên- cias materiais e simbólicas. Assinalamos aí dois aspectos centrais: (a) os códigos assim acionados, processos comparti- lhados entre os participantes, não correspondem a um padrão contratual, são apenas percepções variadas do acervo pessoal de memórias e hábitos, ou impregnados nos materiais acionados. São referências múltiplas e aproximativas postas em comum; (b) essa pluralidade de códigos não é pré-ajustada em seu conjunto – ou seja: não há um supercódigo que os articule; e, portanto, o ajuste entre estes vai depender dos processos infe- renciais em ação na circunstância. O jogo entre aspectos compartilhados e trabalho infe- rencial produz historicamente dispositivos interacionais, prag- maticamente organizados pela sociedade. O conceito de dispo- sitivo, de Michel Foucault, é adaptado a serviço da perspectiva comunicacional (BRAGA, 2018, p. 89), como processo segundo o qual códigos e inferências se elaboram.

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