Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Polarização como estrutura da intolerância (uma questão comunicacional) 309 A intolerância se torna o projeto de ação, articulador dos participantes desse campo, com o objetivo de calar, afastar ou destruir o outro. 4. A midiatização da intolerância Não pretendo atribuir a atual polarização social aos processos da midiatização. Questões diretamente políticas e econômicas têm aí um peso preponderante. Mas tal polarização se desenvolve no ambiente da midiatização em curso – e toma, assim, o perfil demarcado por esta circunstância. A midiatiza- ção, como processo interacional de referência (BRAGA, 2007), incide de diversos modos sobre a estrutura polarizadora. Abordaremos aqui apenas três desses modos de inci- dência – o suficiente para evidenciar sua relevância. Dois cor - respondem a afetações diretas da midiatização sobre processos sociais. Outro decorre de um complexo acionamento político de affordances 4 das tecnologias digitais a serviço de atitudes polarizadoras. 4.1. Primeiro ângulo No século XX, o rádio e a TV nos direcionaram para dis- cursos centralizados. Na virada para o XXI – como parte das es- tratégias para enfrentar o problema dessa voz centralizada, pro- pondo acesso a vozes diversificadas –, as tecnologias acabaram tornando disponível uma “voz centralizada” para cada grupo or- ganizado, com condições interacionais de se tornar o centro de seu próprio mundo. As funcionalidades tecnológicas favorecem o encontro de participantes em torno de um foco de opiniões e atitudes. Este foco singular funciona como agregador – definindo o perfil de seus participantes por essa dimensão singularizada. Quando redes digitais agregam perfis e ideias com base em similaridades de posições e de atitudes, não dependendo de proximidade física, os circuitos organizados por zonas de acordo 4 O conceito de Gibson relaciona características do ambiente a perspectivas das es- pécies que o acionam. Correa Gomes et al. (2018, p. 59) observam que “os agentes de um ambiente percebem o que um nicho oferece, interpretam as affordances e agem sobre elas”. Adoto a expressão “viabilidades” com esse sentido – expressão que passo a usar neste texto como tradução adequada do termo affordances .

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