Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Luís Mauro Sá Martino 42 para a memória; os egípcios, livres da necessidade de aprender, se tornariam preguiçosos. A escrita como remédio e veneno, a tecnologia como pharmakón da mente: Platão colocou a questão que, dois mil e quinhentos anos depois, se refere à dupla face da tecnologia em sua relação com a cultura. A resposta do filósofo grego não deixa de ser ambígua: seu mestre Sócrates não deixou textos filosóficos – seus alunos Platão e Xenofonte foram os responsáveis por registrar seus di- tos e diálogos – e, até onde se sabe, nunca precisou de nada além de sua mente e seu daimôn para transformar a filosofia ocidental; Platão, por sua vez, dedicou-se não apenas à escrita de sua série de Diálogos , mas também deixou cartas a partir das quais se pode vislumbrar um pouco de sua vida e obra. Parecem existir, nessa ambiguidade, duas posturas extremas de relação com a tecnolo- gia. Se Sócrates não deixou escritos filosóficos, Platão usou a es - crita com tal refinamento que seus Diálogos , obras filosóficas, são dotados de um refinamento literário nem sempre reencontrado na Filosofia. O ensino de Sócrates nas ruas de Atenas era predominan- temente oral. Platão, na Academia, possivelmente tinha um cor- pus escrito para seus alunos mais próximos, deixando os Diálogos que chegaram até nós para um público mais amplo. Aristóteles, por sua vez, parece ter escrito diálogos tão refinados quanto os de seu professor Platão – os textos aristotélicos que sobreviveram até hoje parecem ser sobretudo notas de aulas tomadas por seus alunos ou, na melhor das hipóteses, rascunhos de seus cursos. Ao que parece, a noção de tekhné grega referia-se a uma habilidade para fazer alguma coisa, para criar algo – e nisso ha- via um processo tanto mental quanto manual, algo que o latim traduziria como ars , de onde derivam ao mesmo tempo “arte” e “artesanato”. A tekhné referia-se não apenas a uma habilidade em si de fazer alguma coisa, mas estava ligada também às dispo- sições mentais para tal, uma hexis , um “hábito mental” a partir do qual era possível ao “técnico” realizar sua obra. Parte da fi - losofia medieval traduziu hexis por habitus , deixando implícita uma relação mente-corpo, vinculada a partir da noção de uma capacidade geradora não só das ações práticas, mas também das ideias necessárias para que se lhes desse forma – que Bourdieu (1983) retoma como um de seus conceitos principais.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz