Midiatização, polarização e intolerância (entre ambientes, meios e circulações)

Tiago Quiroga 72 No contexto do “Estado forte, guardião do direito privado” (DAR- DOT; LAVAL, 2016, p. 157), o conjunto de saberes deixa de ser regido pelo espaço público, submetendo-se aos mecanismos de defesa e sobrevivência das organizações. Ou seja, como forma de garantir a normatividade prática do direito privado, assim como de protegê-la das injunções políticas, o conhecimento radicaliza a condição de máquina de guerra. Seja subsidiando lutas concor- renciais entre empresas ou entre elas e trabalhadores e mesmo entre elas e públicos consumidores externos, o que se denomina conhecimento tem se resumido predominantemente à otimiza- ção de resultados ou à defesa das próprias empresas. Por isso há um conjunto de saberes na base do novo obscurantismo. Não apenas porque eles se desvinculam do espaço público e deixam de integrar uma ordem de representação, em que a ética do tra- balho é sinônimo de uma herança civilizacional mais ampla, mas porque seu viés privatista planifica toda produção simbólica aos imperativos de rendimento, em que as acrobacias do resultado se equiparam a qualquer senso comum, dado que vinculam (e naturalizam) toda produção de valor ao comportamento como lógica de competitividade, tendo em vista o sucesso e o reconhe- cimento profissional. Em oposição ao que foi definido por Bourdieu, Cham - boredon e Passeron (2007), em relação à produção do conhe- cimento, no sentido de que um dos passos iniciais na conquis- ta de sua legitimidade seria sua ruptura com o senso comum, o conhecimento como gestão do comportamento se mistura com ele ao reduzir toda sua forma discursiva aos regimes do resultado pela competição, da eficiência pela guerra. Avessa ao manejo de “conteúdo”, que pertenceria ao campo teórico, assim como a um relativo domínio e autonomia por parte dos indivíduos, a “prática” da gestão enclausura o conhecimento em uma espécie de subjetividade contábil e financeira (DAR- DOT; LAVAL, 2016, p. 31) , centrada predominantemente nos valores da concorrência e do resultado, que fazem da “própria vida, em todos os seus aspectos [...] objeto dos dispositivos de desempenho e do gozo” (ibid., p. 356). Em suma, em nome da liberdade, abre-se vasto campo de arbitrariedade e violência, que tem no desejo importante esfera de batalhas culturais e amálgamas epistemológicos em nossa contemporaneidade. Do

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