Este livro é umdos resultados do V Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, realizado em 2022, na UFSM. A edição em e-book das Mesas de Debates do V Seminário está disponibilizada não só no acervo do projeto (https:// www.midiaticom.org/e-books/), mas também da FACOS UFSM (https:// www.ufsm.br/editoras/facos/publi cacoes/). Os trabalhos dos GTs se des- dobraram em duas produções biblio- gráficas, disponíveis em plataforma OJS, com ISBN: a) Resumos ampliados (142): https://midiaticom.org/anais/ index.php/seminario-midiatizacao- resumos/issue/view/16; b) Artigos completos (33): https://www.midia ticom.org/seminario-midiatizacao/ anais-de-artigos-do-v-seminario/. Em cinco edições, estas publicações foram acessadas por 102 mil pesquisadores e usuários no mundo inteiro. *** Em termos epistemológicos, metodológicos e de pesquisa empírica, o V Seminário agrega-se ao acervo im- portante para a pesquisa de doutorandos, mestrandos e graduandos, além de servir de referência às interlocu- ções dos pesquisadores envolvidos na linhagem de pesquisa em que se situa, conforme evidenciam suas métricas: 166 ouvintes; 119 expositores em 12 grupos de trabalho; 388 certificados emitidos pela UFSM/MIDIATICOM. Reiteramos os nossos agradecimentos a Capes, Fapergs, CNPq e Stint (Suécia) pelo auxílio financeiro, essencial para a viabilização desta proposta de conversação a partir de pesquisas, teóricas e empíricas, rea- lizadas por seus participantes. Tudo isso seria impossível sem a chancela do POSCOM e da UFSM, e o trabalho coletivo da Comissão Organizadora e do Midiaticom. Nos abraçamos em gratidão.
PLATAFORMAS, ALGORITMOS E IA QUESTÕES E HIPÓTESES NA PERSPECTIVA DA MIDIATIZAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA Reitor Vice-reitor Diretor do CCSH Chefe do Departamento de Ciências da Comunicação Luciano Schuch Martha Bohrer Adaim Martha Bohrer Adaim Cristina Marques Gomes Título Plataformas, algoritmos e IA: questões e hipóteses na perspectiva da midiatização Organizadores Jairo Ferreira Ada Machado Silveira Viviane Borelli Aline Dalmolin Ana Paula da Rosa Isabel Löfgren Tradução Andrea da Rosa Revisor Luís Marcos Sander Editoração Casa Leiria Fechamento de edição Jairo Ferreira
FACOS-UFSM Ada Cristina Machado Silveira (UFSM) Eduardo Andres Vizer (UBA) Eugenia Maria M. da Rocha Barrichelo (UFSM) Flavi Ferreira Lisboa Filho (UFSM) Gisela Cramer (UNAL) Maria Ivete Trevisan Fossá (UFSM) Marina Poggi (UNQ) Monica Marona (UDELAR) Paulo Cesar Castro (UFRJ) Sonia Rosa Tedeschi (UEL) Suzana Bleil de Souza (UFRGS) Valdir José Morigi (UFRGS) Valentina Ayrolo (UNMDP) Veneza Mayora Ronsini (UFSM) Comissão Editorial Comitê Científico Anne Kaun (Södertörn University) Heike Graf (Södertörn University) Isabel Löfgren (Södertörn University) Michael Forsman (Södertörn University) Mihaela Tudor (Montpellier III) Natália Anselmino (UNR) Stefan Bratosin (Montpellier III) Tiago Quiroga (UNB) Comitê Técnico Editorial Prof. Dr. Sandra Depexe (UFSM) Prof. Dr. Ricardo Zimmermann Fiegenbaum (UFPEL) Prof. Dr. Mauricio Fanfa (UFSM) Prof. Dr. João Damásio (UFU) Prof. Dr. Joanguete Celestino (UEM-Moçambique/UFSM) Prof. Dr. Hermundes Flores (Unileste) Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster (UFS) Prof. Dr. Angelo Neckel (Uniasselvi) Dr. Dinis Ferreira Cortes (Midiaticom) Doutorando Jean Silveira Rossi (UFSM) Doutoranda Luisa Schenato Staldoni (Midiaticom) Doutoranda Camila Hartmann (Midiaticom) Ms. William Martins (Midiaticom) Ms. João Vitor da Silva Bitencourt (UFSM) Ms. Alexandra Martins Vieira (UFSM) Graduada Sofia Roratto UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA Comitê Técnico Administrativo Prof. Dra. Aline Roes Dalmolin (UFSM) Prof. Dr. Leandro Stevens (UFSM) Prof. Dra. Liliane Dutra Brignol (UFSM) Prof. Dra. Sandra Depexe (UFSM)
Jairo Ferreira Ada Machado Silveira Viviane Borelli Aline Dalmolin Ana Paula da Rosa Isabel Löfgren (Organizadores) FACOS-UFSM SANTA MARIA-RS 2024 PLATAFORMAS, ALGORITMOS E IA QUESTÕES E HIPÓTESES NA PERSPECTIVA DA MIDIATIZAÇÃO
Plataformas, algoritmos e IA Questões e hipóteses na perspectiva da midiatização O presente trabalho foi realizado com apoio de: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001 Fapergs – processo número 22/2551-0001016-4 Stint – Swedish Foundation for International Cooperation in Research and Higher Education Imagem da capa: Capa criada por Freepik (https://www.freepik.com/) Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISAS EM MIDIATIZAÇÃO E PROCESSOS SOCIAIS P716 Plataformas, algoritmos e IA [recurso eletrônico] : questões e hipóteses na perspectiva da midiatização / Jairo Ferreira …[et al.] (organizadores). – Santa Maria, RS : FACOS-UFSM, 2024. 1 e-book : il. “Publicação resultante do V Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, realizado em 2022, na UFSM” ISBN 978-65-5773-059-1 1. Midiatização 2. Plataformas 3. Algoritmos 4. Inteligência artificial – IA I. Ferreira, Jairo CDU 316.774:004.8 Ficha catalográfica elaborada por Lizandra Veleda Arabidian - CRB-10/1492 Biblioteca Central - UFSM
Plataformas, algoritmos e IA: questões e hipóteses na perspectiva da midiatização 9 SUMÁRIO 11 AS NARRATIVAS E PASSAGENS (EPISTEMOLÓGICAS E METODOLÓGICAS) DA MIDIATIZAÇÃO Jairo Ferreira 15 DAS SEMÂNTICAS COMPARTILHADAS ÀS ESCAVAÇÕES DO QUE OPERA, CONVERSA E NOS TRANSFORMA Jairo Ferreira PARTE I MIDIATIZAÇÃO, MUTAÇÕES TECNODISCURSIVAS E SOCIOSSIMBÓLICAS 27 PERSPECTIVAS E QUESTIONAMENTOS SOBRE O ADVENTO DAS PLATAFORMAS CULTURAIS E DE INFORMAÇÃO Bernard Miège 41 CONCEITUANDO O VIÉS DE COMODITIZAÇÃO NA MODERNA TROCA DE NOTÍCIAS ALGORÍTMICA Ilya Kiriya 59 INTERAÇÃO PLATAFORMIZADA NO MUNDO MULTIPOLAR: JORNALISMO, AUTOCRACIA E DEMOCRACIA Ada C. Machado da Silveira 77 ANATOMIA DA POLARIZAÇÃO E BARBÁRIE COMUNICACIONAL Aline Roes Dalmolin 97 PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS NUVENS: IMAGINÁRIOS SOCIOTÉCNICOS DAS TERRAS DOS ANJOS TRONCHOS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PLANETÁRIAS PARA A MIDIATIZAÇÃO Isabel Löfgren 127 VOZES PÓS-MIGRANTES EM TEMPOS DE HIPERVISIBILIDADE Heike Graf
Plataformas, algoritmos e IA: questões e hipóteses na perspectiva da midiatização 10 153 PROCESSOS MIDIÁTICOS: TRANSFORMAÇÕES DO DISCURSO RELIGIOSO NO CONTEXTO DA ALGORITMIZAÇÃO Pedro Gilberto Gomes PARTE II MIDIATIZAÇÃO, CIRCULAÇÃO E COMUNICAÇÃO 169 CIRCULAÇÃO: DA ZONA DE PASSAGEM À AMBIÊNCIA DE INTERPENETRAÇÕES DE SENTIDOS Antônio Fausto Neto 199 A PROBLEMATIZAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA NAS PESQUISAS DE CIRCULAÇÃO E PLATAFORMAS Viviane Borelli 219 À IMAGEM E SEMELHANÇA: MÁQUINA, HOMEM E IMAGINÁRIOS EM CIRCULAÇÃO Ana Paula da Rosa 245 MIDIATIZAÇÃO, CIRCULAÇÃO E SEMIOSE SOCIAL: REFERÊNCIAS PARA ANÁLISE CRÍTICA DE PLATAFORMAS E ALGORITMOS Jairo Ferreira 267 SOBRE LA HIPERMEDIATIZACIÓN COMO PROCESO Y LAS SOCIEDADES HIPERMEDIATIZADAS COMO RESULTADO. UN ENFOQUE NO ANTROPOCÉNTRICO Mario Carlón 295 NUNCA FOMOS MIDIATIZADOS: REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE AS ABORDAGENS LATINOAMERICANA E EUROPEIA DA MIDIATIZAÇÃO Göran Bolin 309 COMUNICAÇÃO E MIDIATIZAÇÃO ENTRE DEUSES E HOMENS Lucrécia D’Alessio Ferrara 327 ALGORITMO DIGITAL INTERACIONAL José Luiz Braga 349 ÍNDICE REMISSIVO 357 SOBRE OS AUTORES
11 As narrativas e passagens (epistemológicas e metodológicas) da midiatização Jairo Ferreira Este livro se faz em grandes transições do projeto Se- minário Midiatização. Resulta de um Seminário realizado no POSCOM da UFSM, depois de ter sido executado, durante quatro edições, no PPGCC da UNISINOS. Essa transição foi construída por diversos atores (pesquisadores consolidados, jovens pesquisadores e dezenas de pesquisadores em formação), instituições de ensino e pesquisa (em especial UFSM e também Unisinos), incluindo a generosidade das agências de pesquisa envolvidas (Capes, Fapergs e CNPq) no ajuste de processos, autorizações e recursos às novas circunstâncias. Atores em coletivos com suas formas autopoiéticas de suavizar o estar, iluminar o desejo de forjar o comum na construção do conhecimento, acrescentando à memória fortes pitadas de que vale a pena. Em especial, seria impossível sem a empatia, acolhimento e engajamento das professoras do POSCOM-UFSM, em especial as coorganizadoras Ada Machado da Silveira, Aline Dal- molin e Viviane Borelli, da coordenadora do PPG, Liliane Dutra Brignol e outros professores e professoras que receberam o pro- jeto com afeto, com as marcas das origens compartilhadas em percurso acadêmico e cultural, no Rio Grande do Sul. Um momento que merece narrativas que situem em tempos e espaços as interações fortes, que salvaram investimentos epistemológi- cos e metodológicos de décadas na produção de conhecimento, desta linhagem de pesquisa intitulada Midiatização e Processos Sociais. Reconhecimento aos solidários, discentes e docentes da Unisinos que continuaram apostando no projeto, “apesar de você”, em particular os que não permitiram que o silêncio fosse
Jairo Ferreira 12 dominado pela incerteza, que se engajaram neste “vai passar”. Aos pesquisadores, conferencistas, que se adaptaram aos novos rumos, de forma alegre e intens * a * . O tema do V Seminário de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais é um fenômeno social evidenciado em prá- ticas e discursos de atores e instituições diversas: plataformas, datificação, algoritmos, inteligência artificial, aplicativos e suas interfaces. Como nas edições anteriores, o objeto do Seminário é a reflexão acerca do tema na perspectiva da midiatização como forma de olhar os processos midiáticos, questionando, nesses processos, o que é especificamente comunicacional. Com isso, não se excluemoutras abordagens do tema. Há linhagens na área da comunicação que o abordam em outras perspectivas, além da midiatização. Há pesquisas em várias áreas de conhecimento sobre ele – isto é, economia, direito, ciências sociais, psicologia, ciência de dados – que também foram bem-vindas para o debate interdisciplinar. As questões centrais do V Seminário tiveram como objetivo refletir sobre as seguintes questões: O que há de comu- nicacional quando investigamos as plataformas, a datificação, os algoritmos, a inteligência artificial, os aplicativos e suas interfaces? Qual a relação entre a comunicação aí observada e as mutações nos processos midiáticos? Essa mutação demanda novas epistemes na linhagem de pesquisa Midiatização e Processos Sociais? Quais os deslocamentos epistemológicos e meto- dológicos sugeridos pelas vertentes do “norte” e do “sul” para a compreensão dessas mutações? Em suas interfaces, o que essas abordagens epistemológicas e metodológicas revelam para além dos discursos sociais sobre o tema proposto? ** O Seminário se desenvolveu, conforme formato de pro- gramação já consolidado, em dois níveis: Mesas de Debates e Grupos de Trabalho. Cada uma das mesas de debates (cinco me- sas) incluiu a presença de três pesquisadores: um estrangeiro, um nacional e um das instituições promotoras (UFSM, executora, e Unisinos, colaboradora). Cada sessão, de Mesas e Grupos de Trabalho, se desenvolveu num período de três horas, entre
As narrativas e passagens (epistemológicas e metodológicas) da midiatização 13 apresentações e debates, incluindo perguntas dos participantes (público), com tradução simultânea ou consecutiva, conforme a especificidade. A programação das Mesas do V Seminário e sua estrutura podem ser vistas em https://www.midiaticom.org/ seminario-midiatizacao/program-2022/. Os Grupos de Trabalho (GTs) foram formados com presença de pesquisadores, doutores e doutorandos, mestres e mestrandos, graduados e graduandos que tiveram aprovados resumos ampliados conforme chamada em curso. Os trabalhos foram submetidos em português, inglês e espanhol, via formulário OJS, com dados de autoria inacessíveis aos pareceristas, com normas e orientações, programação e processos editoriais. Fo- ram avaliados por uma equipe de pareceristas que agrega doutorandos e mestrandos convidados a se cadastrar no sistema. ** Este livro é um dos resultados do V Seminário Interna- cional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, reali- zado em 2022, na UFSM. A edição em e-book das Mesas de Debates do V Seminário está disponibilizada não só no acervo do projeto (https://www.midiaticom.org/e-books/), mas também da FACOS-UFSM (https://www.ufsm.br/editoras/facos/publica coes/). Os trabalhos dos GTs se desdobraram em duas produ- ções bibliográficas, disponíveis em plataforma OJS, com ISBN: a) Resumos ampliados (142): https://midiaticom.org/anais/ index.php/seminario-midiatizacao-resumos/issue/view/16; b) Artigos completos (33): https://www.midiaticom.org/semina rio-midiatizacao/anais-de-artigos-do-v-seminario/. Em cinco edições, estas publicações foram acessadas por 102 mil pesqui- sadores e usuários no mundo inteiro. ** Em termos epistemológicos, metodológicos e de pesqui- sa empírica, o V Seminário agrega-se ao acervo importante para a pesquisa de doutorandos, mestrandos e graduandos, além de ser- vir de referência às interlocuções dos pesquisadores envolvidos na linhagem de pesquisa em que se situa, conforme evidenciam suas métricas: 166 ouvintes; 119 expositores em 12 Grupos de Trabalho; 388 certificados emitidos pela UFSM/Midiaticom.
Jairo Ferreira 14 Reiteramos os nossos agradecimentos a Capes, Fapergs, CNPq e Stint (Suécia) pelo auxílio financeiro, essencial para a viabilização desta proposta de conversação a partir de pesqui- sas, teóricas e empíricas, realizadas por seus participantes. Tudo isso seria impossível sem a chancela do POSCOM e da UFSM, e o trabalho coletivo da Comissão Organizadora e do Midiaticom. Nos abraçamos em gratidão. Jairo Ferreira Pela Comissão Organizadora e Midiaticom
15 Das semânticas compartilhadas às escavações do que opera, conversa e nos transforma Jairo Ferreira1 A semântica da plataforma, algoritmo e IA acompanha as reflexões dos livros publicados em Midiaticom desde a déca- da passada. Um conjunto de reflexões se desenvolveu no projeto Capes-Escola de Altos Estudos intitulado Midiatização, Técnica e Tecnologias de Informação e Comunicação, com a presença de Bernard Miège (2016), Serge Proulx (2016) e Patrice Flichy (2016). Neste conjunto de publicações, realizadas com a parti- cipação de dezenas de docentes e discentes do ex-PPGCC-UNI- SINOS, a Rede que começava a ser cultivada buscou elaborações sobre plataformas e algoritmos em uma conjuntura (a partir de 2010) na perspectiva da midiatização. Nos textos publicados se observam indícios de uma conjuntura de indiferenciação entre plataformas e redes sociodigitais, o que se evidencia no uso re- petido do termo plataformas sociodigitais nos três livros edita- dos em 2016 (https://www.midiaticom.org/e-books/). As relações entre plataformas e algoritmos aparecem quando: os autores abordam questões de regulação e impulsio- namento das ofertas sígnicas e discursivas, incluindo inferências sobre as barreiras à circulação decorrentes dos algoritmos. Não aparece, ainda, nesta discussão, a reflexão sobre a inteli- gência artificial. Em contraponto, aparece a reflexão sobre a inteligência social, ou especificamente sobre inteligência coletiva 1 Prof. POSCOM-UFSM. Pesquisador visitante PPGCOM-ECA-USP. ORCID: 0009- 0008-0197-5412. E-mail: jairoferrei@gmail.com.
Jairo Ferreira 16 (de forma crítica), ainda na esteira dos debates originados em Pierre Lévy e Kerckhove (1999). A plataforma já é vista como meio de inovação tecnológica em novos patamares da mercan- tilização da informação e comunicação, ampliação do poder midiático e transnacionalização dos fluxos, concentrando-se no que viria a constituir os grandes grupos ocidentais e chine- ses atuais (Miège, 2016), decorrendo daí uma reflexão sempre atualizada sobre a regulação, considerando inclusive as trans- formações das relações entre espaço público e privado. Patrice Flichy (2016) é central nas hipóteses e formulações sobre os amadores. Por um lado, Flichy nos traz o pensar as relações entre imaginário social (não restrito às elites, intelectuais e especialistas) e processos midiáticos, na medida em que dá sentido e organiza as práticas, integrando, ao mesmo tempo, utopia e ideologia –, atravessando os pro- cessos de inovação tecnológica, sendo aberto a possibilidades, conversações e construções sociais. Em outro eixo, Flichy si- tua o indivíduo em busca de sua identidade, o que se realiza em novos coletivos de produção – e daí a máxima: internet, um mundo para os amadores. Essa formulação sobre indivíduos e coletivos de produção tem analogias exploráveis próximas à proposição de Eliseo Verón sobre a construção de coletivos a partir da circulação de sentido que se condensa nas interações entre atores. Esses eixos de reflexões são complementares, mesmo que contraditórias, mas não necessariamente antagônicas – as- sim, se observam as relações entre as grandes corporações que dominam as redes e a infinidade de plataformas acionadas por grupos e coletivos construídos e em construção de suas identi- dades, que na época eram considerados amadores, e que, atual- mente, podemos ponderar que se constituem em novos formatos de especialistas e profissionalização. Os aportes de Proulx (2016) adicionam novas percep- ções sobre esse processo, com suas reflexões sobre a dádiva dos usuários (a partir da teoria antropológica do dom), em tensão com a captação de dados e agenciamentos que produzem usos condicionados pelas lógicas do meio onde o usuário se inscreve, levando a direcionamentos adaptativos da cultura e compor-
Das semânticas compartilhadas às escavações do que opera, conversa e nos transforma 17 tamento pela mediação dos reconhecimentos em comentários, curtições e outros signos. Neste momento de reflexão, o algoritmo é, ainda, uma incógnita, pois inclusive se coloca o desafio de abordar o fenômeno na perspectiva especificamente comunicacional: Há um trabalho inteiro a ser realizado para tentarmos desconstruir aquilo que constitui as interfa- ces; ou seja, entrar nas entranhas das interfaces, aprofundar, ir buscar os algoritmos, os códigos informáticos, os softwares. Acho que é um traba- lho que requer a colaboração não só de sociólogos e especialistas em comunicação, mas também de especialistas do mundo da informática e, a rigor, a participação de matemáticos. Acho que precisa- mos de equipes interdisciplinares para trabalhar nas entranhas da web social (Proulx et al., 2016, p. 38). Isso não impede Proulx de fazer perguntas e oferecer respostas sobre o que são os algoritmos, vinculando isso ao ca- pitalismo informacional, aproximando-se de hipóteses que seriam desenvolvidas teoricamente no decorrer da década de 10 deste séc N ul ã o o . são poucas, portanto, as contribuições dessas obras em termos de inferência: 1. Ampliação e concentração do poder midiático, ago- ra no plano global, para além dos marcos nacionais das corporações televisivas; 2. Captação do trabalho gratuito de bilhões de usuá- rios no planeta; 3. Captação de dados como fonte de capitalização; 4. Processos adaptativos em termos comportamen- tais e discursivos aos contextos dos meios de interação em rede; 5. Regulação do fluxo discursivo e interacional por algoritmos; 6. Emergência de novos coletivos de resistência e produção cultural.
Jairo Ferreira 18 ** As inferências acima indicam transformações dos pro- cessos socioantropológicos correlacionadas aos processos mi- diáticos, abordando os fenômenos das plataformas e algoritmos. Nestes livros, não há referência ao termo inteligência artificial. Ao retomar as plataformas, algoritmos e inteligência artificial como tema, o VI Seminário Midiatização buscou novas inferências aproximativas em relação aos fenômenos que se desenha- vam com a inteligência artificial: as que se referem às relações entre o fenômeno (práticas sociais e discursos sobre essas práticas, de atores e instituições) e as abordagens epistemológicas sugeridas, em especial, sobre o que há de comunicacional nis- so, considerando-o como uma mutação nos processos midiáticos e se essa mutação demanda novas epistemes na linhagem de pesquisa Midiatização e Processos Sociais, diferenciando deslocamentos epistemológicos e metodológicos sugeridos pelas vertentes do “Norte” e do “Sul” para a compreensão dessas mutações E . ste livro é uma mostra de interlocuções entre o Sul e o Norte nas pesquisas em midiatização, amadurecidas nestes seis seminários. Indicam avanços no sentido da consciência de um ponto de diferenciação e conexão entre epistemologias. Sem pretensões à exaustão, destacamos eixos de aproximações e diferenciação. Uma das zonas de diferenciação é a midiatização na perspectiva da circulação e semiose social, fundada por Eliseo Verón. Não há referências fortes às teorias dos signos nas pers- pectivas do Norte. Essa ausência pode ser observada na corrente institucionalista (em que Stig Hjarvard é um pesquisador de re- ferência internacional) e nas correntes socioconstrutivistas (por exemplo, Couldry & Hepp, 2020). As correntes do Norte, quando abordam o fenômeno da linguagem, referem-se ao discurso de forma genérica, numa abordagem muitas vezes anterior às teo- rias do discurso, às semióticas ou até mesmo à semiologia estruturalista. Já a questão da circulação (forte nas correntes do Sul) aparece, nos textos de pesquisadores do Norte, de forma mais genérica, sem a problematização intensa e complexa observada nas correntes do Sul (Fausto Neto, Ana Paula da Rosa, Viviane Borelli, Mario Carlón e Jairo Ferreira), incluindo a relação entre
Das semânticas compartilhadas às escavações do que opera, conversa e nos transforma 19 código, circulação e des-circulação (Aline Dalmolin). Neste livro, o capítulo de Göran Bolin é um trabalho de interlocução em tor- no destes eixos (signo e circulação), ou ainda de referenciação (como em Dalmolin, quando aciona pensamento de Braga para formular suas reflexões). Esta aproximação, ainda embrionária, é uma boa conquista dos Seminários Midiatização. Por outro lado, se a reflexão sobre os meios, instituições e atores é forte em perspectivas do Norte, também está presente nas abordagens do Sul (ver, por exemplo, modelo de Verón, 1997). Ao contrário das semânticas signo, semiótica, semiologia, discurso e circulação, pontos de diferenciação, meios, instituições e atores são aproximativos. Não por acaso, a semântica tecnologia está presente quase consensualmente nas relações, em relação com o concei- to de meios e instituições ou não, reportando-se à sociotécnica (Bernard Miège, Ada Silveira e Isabel Löfgren), bem mais do que à semiotécnica (como aparece em Jairo Ferreira). A semântica instituição, presente nos modelos de Verón, aparece forte na ela- boração de Fausto Neto. Talvez o seminário se ressinta da ausência de representantes institucionalistas “puros”, visando emular a conversação. Ou seja, é outro operador que talvez possa ser explorado nas interlocuções entre correntes do Norte e do Sul, pois está nas obras do Seminário Midiatização. Mas é incompleto afirmar que o Sul se reduz à pers- pectiva de Verón, quando pensa a construção da linhagem em midiatização. Este livro expressa isso através inclusive de dois operadores importantes: ambiente e comunicação. Ambiente é o foco do trabalho de pesquisa de Pedro Gilberto Gomes e deve ser visto em sua potência pela interlocução com a abordagem socioconstrutivista (o termo é objeto de reflexão também no ca- pítulo de Göran Bolin) e é transversal à maioria dos capítulos deste livr O o. Sul é também espaço de questionamentos aos limites e potencialidades da linhagem, especialmente quando se discute o que é comunicação. A palavra comunicação é comum nos escritos em comunicação, e isso é evidente também aqui. Mas o termo é objeto de reflexões específicas neste livro, representando característica forte no Brasil (nos capítulos de José Luiz
Jairo Ferreira 20 Braga e Lucrécia Ferrara), oferecendo pistas para elaborações a avançar nos Seminários Midiatização. Finalizando, temos a proposição de que a midiatização é uma epistemologia para a compreensão da construção social e suas lógicas. Estes termos são também transversais à maioria dos capítulos deste livro. Sem dúvida, merecem trabalhos espe- cíficos de singularização e reflexão, como pontes de interlocução entre programas de pesquisa do Norte e do Sul. E, em alguns ca- pítulos, são centrais na interpretação de fenômenos midiáticos (Heike Graf, Fausto Neto e Jairo Ferreira). ** O exercício de sistematização acima indica um caminho para a descoberta de pontos de reflexão. Não é exaustivo. Porém, já nos oferece um conjunto de relações potenciais, epistemológi- cas, com inevitáveis desdobramentos metodológicos, que talvez não permitam a dicotomia entre epistemologias do Norte e do Sul quando se fala na linhagemmidiatização e processos sociais. Isso é muito interessante e merece reflexões mais aprofunda- das, inclusive porque incide nas “bandeiras” de epistemologias do Sul Global em tensão com epistemologias do Norte. Será, sem dúvida, objeto de conversações e debates na Rede de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais. Por outro lado, evidencia-se que as pesquisas em mi- diatização no Sul se desenvolvem com aportes também do Nor- te; o inverso não é ainda evidente se considerarmos este livro como uma amostra, a ser verificada em uma população mais am- pla de artigos sobre midiatização em curso. Esta configuração se desdobra na forma de organizar este livro. As mesas do Seminário Midiatização foram reorganizadas por afinidades e inter- locuções epistemológicas, que não são blocos unidimensionais. Na primeira parte, intitulada Midiatização, Mutações Tecnodiscursivas e Sociossimbólicas, as perspectivas epistemo- lógicas podem ser diferenciadas em interfaces que estão em diá- logo com a problematização que não acentua a semiose como epistemologia de interpretação dos processos midiáticos, e sim está mais próxima à teoria dos meios e suas apropriações so- ciais, sem deixar de se referenciar também em problemáticas do “Sul”.
Das semânticas compartilhadas às escavações do que opera, conversa e nos transforma 21 Essa parte começa com aquelas que caracterizam o próprio campo midiático (Miège e Kiriya) em suas conexões com o capitalismo. Miège e Kiriya atualizam reflexões para a compreensão de que as plataformas, algoritmos e inteligência artificial são fenômenos contemporâneos indissociáveis do ca- pitalismo, da historicidade dos meios, com suas configurações desdobradas no campo midiático. Kiriya desdobra essa perspectiva de forma convergente com a interessante reflexão sobre a comoditização do jornalismo. Os capítulos de Ada Silveira e Ali- ne Dalmolin compartilham o conceito de semiosfera como conceito de passagem para pensar a midiatização, em interface com os conceitos de circulação e circuito de Fausto Neto e Braga. Os textos de Isabel Löfgren e Heike Graf partem de referências europeias, com utilização reiterada da semântica meios, em suas reflexões, para a compreensão de conflitos culturais contempo- râneos. O capítulo de Pedro Gilberto Gomes encerra esta parte do livro em que a midiatização é pensada com ponderações so- bre a tecnologia e os meios, para pensar um fenômeno cultural central no contemporâneo – a religião. Na segunda parte (Midiatização, Circulação e Comu- nicação), a problematização desta relação – processos sociais e processos midiáticos – permanece, mas as abordagens epistemológicas e metodológicas sugeridas se fazem em afirmativas ou questionamentos e reflexões mais sistemáticas sobre a circu- lação como objeto interposto para a compreensão disso, quando se investigam as plataformas, algoritmos e a inteligência artifi- cial. Ela começa com o aprofundado texto de Fausto Neto sobre a circulação a partir da corrente inaugurada por Eliseo Verón, no qual faz questionamentos produtivos para pensarmos as plata- formas para além das propensões funcionalistas atualizadas em muitos estudos atuais. Os trabalhos metodológicos de Viviane Borelli e Ana Paula da Rosa complementam essa perspectiva. Jairo Ferreira atualiza suas elaborações sobre midiatização e plataformas em diálogo com as correntes do Sul acentuando a discussão da semiose a partir do conceito de lógicas em Peirce. Duas díades finais acrescentam qualidade a esta parte. Uma, o diálogo em desenvolvimento entre Göran Bolin e Mario Carlón, portanto entre perspectivas socioconstrutivistas do Norte e a semioantropológica, de forma explicitada nos textos. Encerra-
Jairo Ferreira 22 mos com a díade histórica, conversa silenciosa entre Lucrécia Ferrara e José Luiz Braga, questionando a midiatização a partir da fecunda busca sobre o que é comunicação. ** Um roteiro de leitura deste livro talvez possa ser o re- torno, como questões, às proposições com as quais começamos esta introdução. Em que medida as abordagens desenvolvidas nos permitem compreender, na perspectiva da midiatização: a ampliação e concentração do poder midiático, agora no plano global, para além dos marcos nacionais das corporações televi- sivas; considerando fenômenos atualíssimos como a regulação dessas plataformas vistas como parâmetros sociais da informação e comunicação? Como o trabalho gratuito de bilhões de usuários e a captação de dados no planeta se acentuam, trans- formando relações econômicas, políticas e culturais? Como nossos comportamentos vêm se adaptando às formas de interação e discursos em plataformas, e agenciamentos dos algoritmos e inteligência artificial? Quais são as promessas e possibilidades aportadas pelos novos atores e coletivos de resistência e produ- ção cultural em rede nas plataformas, incluindo usos sociais dos algoritmos e IA? ** A capa deste livro é uma “obra” de IA (criada por Freepik). Não é uma resposta a uma solicitação de imagem sobre inteligência artificial. O pedido foi outro: sistema nervoso. O deslocamento é afirmativo. A inteligência humana não é um dispositivo isolado do corpo, mas uma mediação conectora, em suas múltiplas funções nervosas, entre o ambiente e o que so- mos e podemos ser. Referências COULDRY, N.; HEPP, A. A construção mediada da realidade. São Leopoldo: Unisinos, 2020. 346 p. FLICHY, Patrice; FERREIRA, Jairo; AMARAL, Adriana (org.). Redes digitais: um mundo para os amadores. Novas rela-
Das semânticas compartilhadas às escavações do que opera, conversa e nos transforma 23 ções entre mediadores, mediações e midiatizações. Santa Maria: FACOS - UFSM, 2016. 284 p. KERCKHOVE, Derick. Inteligencia en conexión: hacia una socie- dad de la web. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999. 256 p. MIÈGE, Bernard; FERREIRA, Jairo; FAUSTO NETO, Antonio; BIT- TENCOURT, M. C. J. A. (org.). Operações de midiatização: das máscaras da convergência às críticas ao tecnodeterminismo. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2016. 346 p. PROULX, Serge; FERREIRA, Jairo; ROSA, Ana Paula da (org.). Midiatização e redes digitais: os usos e as apropriações en- tre a dádiva e os mercados. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2016. 282 p. VERÓN, Eliseo Esquema para el análisis de la mediatización. In: Diálogos de la Comunicación, Lima: Felafacs, n. 48, 1997.
PARTE I MIDIATIZAÇÃO, MUTAÇÕES TECNODISCURSIVAS E SOCIOSSIMBÓLICAS
27 Perspectivas e questionamentos sobre o advento das plataformas culturais e de informação Updated Mediatization (continuation) : Perspectives and questions on the advent of cultural and information platforms La médiatisation actualisée (suite): Regards et interrogations sur l’avènement des plateformes culturelles et informationnelles Bernard Miège1 Resumo: Esta contribuição amplia trabalhos prévios propos- tos pelo autor no contexto de sessões anteriores deste mesmo Seminário. De antemão, especifica três princípios metodológicos que fundamentam a abordagem, descritos como socios- simbólicos. Em seguida, discute e tenta caracterizar a noção de plataforma frequentemente mencionada hoje, mostrando em particular que ela faz parte tanto da descontinuidade quanto da continuidade de um certo número de lógicas sociais de in- formação-comunicação que surgiram anteriormente. E, com a ajuda de trabalhos recentes ou em curso, propõe um certo nú- mero de questões nas relações que mantêm/irão manter com as indústrias culturais (e por extensão as indústrias da informação), acentuando a heterogeneidade observável nas situações, incluindo a crescente diversidade das modalidades e a necessá- ria inscrição em territórios. 1 Professeur émérite de sciences de l’information et de la communication. GRE- SEC, Université Grenoble Alpes. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1704- 0773 E-mail: bernard.miege@gmail.com
Bernard Miège 28 Palavras-chave: gigantes digitais; indústrias culturais; indús- trias informacionais; informacionalização (datificação); inter- mediação; midiatização; digitalização; plataforma. Abstract: This contribution broadens previous works proposed by the author in the context of prior sessions of this Seminar. In advance, it specifies three methodological principles that underpin the approach, described as socio-symbolic. Next, it describes and tries to characterize the notion of “platform” frequently referenced in current discussions, showing, particularly, that it is part of both the discontinuities and continuities of a cer- tain amount of social logics of information communication that emerged previously. With the aid of recent or ongoing works, it proposes a determined number of questions in the relation- ships it maintains (will maintain) with cultural industries (and, by extension, information industries), emphasizing the observable heterogeneity of situations, including the growing diversity of modalities and the necessary inscription in territories Keywords: Digital giants; cultural industries; infomation industries; infomationalization (datafication); intermediation; media- tization; digitization; platform. Résumé: La présente contribution prolonge des travaux antérieurs proposés par l’auteur dans le cadre de précédentes ses- sions du même Séminaire. En préalable il précise trois principes méthodologiques qui sont au fondement de son approche, qualifiée de socio-symbolique. Puis, il discute et s’efforce de caracté- riser la notion de plateforme aujourd’hui souvent évoquée, mon- trant notamment qu’elle s’inscrit à la fois en discontinuité et en continuité avec un certain nombre de logiques sociales de l’in- formation- communication apparues antérieurement. Et à l’aide de travaux récents ou en cours, il propose un certain nombre de questionnements dans les relations qu’elles entretiennent/ entretiendront avec les industries culturelles (et par extension les industries informationnelles), insistant sur l’hétérogénéité observable des situations, la diversité croissante des modalités et l’inscription nécessaire dans les territoires. Mots clé: géants du numérique; industries culturelles; industries informationnelles; informationnalisation (datification); intermé- diation; médiatisation; numérisation; plateforme.
Perspectivas e questionamentos sobre o advento das plataformas culturais e de informação 29 1. Introdução Inquestionavelmente, os trabalhos de investigação e as publicações sobre o fenômeno das plataformas multiplicam-se e é difícil elaborar uma avaliação fundamentada e atualizada. Esta efervescência pode ser explicada porque, em quase todo o lado, os investigadores tomaram consciência da importância do fenômeno tardiamente. No entanto, isto não justifica concentrar a atenção apenas nas grandes plataformas e, em particular, naquelas desenvolvidas em diferentes continentes pelos Big Five americanos e outros grupos como a Netflix ou a Disney, bem como nos seus concorrentes chineses, como o TikTok, sem ligar as observações e conclusões aos desenvolvimentos anteriores na comunicação mediatizada, por mais importantes e decisivas que sejam as mutações atuais, observáveis a partir da segunda década deste século. Para evitar estas lacunas e avançar na compreensão fundamentada do posicionamento atual das plataformas, e especialmente daquelas especializadas nas esferas da cultura e da informação, devo antes de tudo colocar a presente contribui- ção na continuidade das minhas anteriores intervenções neste Seminário. 2. Lembretes e preliminares A abordagem que proponho à mediatização – um con- ceito com significados plurais e, portanto, ambíguos – pode ser descrita como sociossimbólica; difere fundamentalmente de outras abordagens, em particular da abordagem semioantropológi- ca (dos organizadores do Seminário) e, obviamente, das visões do “senso comum”. Insiste no fato de as técnicas digitais serem dispositivos sociotécnicos objetos de uma construção social, variável consoante os países e regiões do mundo (daí a importância a dar às estratégias e às práticas sociais), numa temporalidade a ser especificada. E, ao fazê-lo, ajuda a identificar os modos de produção do sentido dos produtos oferecidos e as mutações dos próprios espaços discursivos, em condições renovadas. O que caracteriza a atual gestão dos fenômenos infocomunicacionais pelos gigan-
Bernard Miège 30 tes digitais é que se baseia em dados e utiliza algoritmos, o que influencia os fenômenos de infocomunicação de diversas formas. Nas Ciências da Informação e da Comunicação (é opor- tuno sublinhar esta ligação disciplinar porque atualmente outras disciplinas das ciências humanas e sociais estão interessadas nos fenômenos digitais, mas limitando-se às suas próprias abor- dagens que estão longe de medir os fenômenos de infocomunicação, e a suas especificidades), como considerei num trabalho recente dedicado à digitalização das sociedades (Miège, 2020), parece apropriado e relevante basear-se em três princípios: 1. Ter em conta as temporalidades (longas e curtas), o que permite não só compreender as inovações (de base técnica), mas distingui-las de mutações (por exemplo, afetando os meios de comunicação) e mu- danças (por exemplo, relacionadas com comporta- mentos que são obviamente menos sustentáveis do que as práticas sociais). 2. Teorização de médio alcance, tanto a nível micro como a nível macro, relativa tanto a observações empíricas como a considerações hipotético-dedu- tivas. Portanto, deve-se ter cautela em relação às reivindicações de universalidade dos fenômenos considerados; permanecem situadas as lógicas so- ciais da comunicação, que emergem da investiga- ção e análise, a partir das quais explicamos muitas das diferenças percebidas entre o que pode ser ob- servado na Europa e na América do Sul. 3. A multidimensionalidade das abordagens. Tanto quanto possível, e para nos protegermos dos riscos de compartimentação do trabalho, devemos evitar permanecer num único nível de análise. Por exemplo, no que diz respeito às indústrias culturais e criativas que serão centrais no resto desta Apresen- tação, é apropriado articular as diferentes fases do ciclo: da criação à produção, depois à intermediação, à distribuição, à difusão e ao consumo, e, portanto, não se contentando com conclusões que afetem apenas a fase de criação ou as reações das diferentes categorias de usuários. Este é um princípio muitas
Perspectivas e questionamentos sobre o advento das plataformas culturais e de informação 31 vezes difícil de aplicar, mas que deve, não obstante, ajudar a posicionar as conclusões alcançadas. Portanto, é apropriado ter cautela em relação às rei- vindicações de universalidade dos fenômenos considerados; as lógicas sociais da comunicação, que emergem da investigação e da análise, permanecem situadas. Estes três princípios metodológicos (tendo em conta as temporalidades; a teorização de médio alcance; e a multidimen- sionalidade das abordagens) devem ser mantidos quais- quer que sejam os fenômenos infocomunicacionais considera- dos. Na maioria das vezes, é necessário “mexer” nas abordagens adaptadas a cada tempo, às questões analisadas, embora seja relevante utilizar sempre princípios metodológicos comuns ou semelhan U te m s. exemplo: a cobertura mediática da crise sanitária global que ainda vivemos. Se levarmos em conta o proposto, sob diferentes ângulos de análise (o que é demonstrado pelos tra- balhos a seu respeito que apenas começam a ser publicados), é interessante “aplicar-lhe” os princípios mencionados acima. Da minha parte, durante uma conferência organizada emMadrid no final de 2022, isto levou-me a destacar os seguintes desenvolvi- mentos (Miège, 2022): • A preeminência e mesmo onipresença da comuni- cação política; • Confusão constante no discurso público entre o espaço científico e o espaço sanitário; • E, como esperado, o apelo à quantificação apoiada em dados na gestão de crises, que reforçou o apoio ao desenvolvimento de plataformas. É neste último e decisivo aspecto que devemos agora nos concen- trar, mas desta vez no que diz respeito às indústrias culturais e de informação. 3. Plataforma, um conceito a ser discutido e ainda a ser caracterizado É por isso que é importante ter cautela em relação às reivindicações de universalidade dos fenômenos considerados;
Bernard Miège 32 as lógicas sociais da comunicação, que emergem da investigação e da análise, permanecem situadas. Paradoxalmente, as plataformas (doravante PF) são associadas entre os especialistas a: 1° o desenvolvimento capitalista avançado, em referência às grandes PF organizadas por empresas digitais que dominam os mercados numa escala quase globalizada (os Cinco Grandes e outros grupos mais ou menos aliados, por um lado, o BATX2, por outro) dando origem ao que alguns até chamam de fase do capitalismo, “capitalismo PF”; e 2° um método que permite o financiamento participativo e, portanto, a partilha: assim, como é o caso do crowdfunding. Esta modalidade, longe de ser a primeira, tem certamente contribuí- do para melhorar a imagem das PF, imagem que também é muito comprometida pelas práticas deliberadamente antissalariais das PF de entrega a domicílio, como o Deliveroo. Note-se que as PF abrangem hoje modalidades muito diversas, que não permitem dar uma definição simples ou mesmo única. Do ponto de vista das técnicas digitais que estão de al- guma forma na base das PF, podemos considerar que o que é constitutivo dessas mesmas PF é de alguma forma um conjunto variável de uma pluralidade de técnicas (hoje indo em direção ao que se refere como inteligência artificial, ou seja, o digital de 2ª geração). Devido a esta variabilidade e a esta pluralidade de técnicas implementadas, as PF não podem ser consideradas ino- vações radicais, estão ligadas a inovações do tipo 2, ou inovações de produto, e mais precisamente a inovações incrementais para as quais geralmente contribui uma multiplicidade de mudanças. Mas estas características não são suficientes para caracterizar as plataformas. Portanto, parece-me necessário insistir nas seguintes três observações essenciais: 1. Se o termo é antigo, antes era utilizado em sentidos completamente diferentes (relacionado ao plane- jamento, à geografia ou à vida política e sindical). Aparentemente, são os economistas de gestão, no- meadamente Andrei Hagiu, que parecem ter estado 2 BATX significa Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi, a sigla para as quatro maiores empresas de tecnologia na China (in: https://pt.wikipedia.org/wiki/BATX)
Perspectivas e questionamentos sobre o advento das plataformas culturais e de informação 33 entre os primeiros, há pouco mais de dez anos, a interessar-se pelo termo, em particular a considerar a atividade dos trabalhadores na economia digital, bem como a partilha (em outras palavras, a economia partilhada), ambas possibilitadas pelos novos recursos digitais. A esta perspectiva estritamente gerencial somaram-se então trabalhos relativos à filosofia política, notadamente aqueles bastante conhecidos de Nick Srnicek sobre o “capitalismo de plataforma”, bem como as propostas de Patrice Flichy descrevendo novas formas de trabalho e focan- do em mostrar que o individualismo é agora cada vez mais conectado à tecnologia. 2. O importante é notar que as plataformas não sur- gem ex nihilo; as atividades que elas executam e “organizam” correspondem muito precisamente a atividades já organizadas anteriormente (para al- guns às vezes há um século), no âmbito das quais as designamos (cf. Miège, 2015) como lógicas de infocomunicação social; assim, as PF mobilizam mais particularmente as seguintes lógicas sociais que convém recordar aqui sem poder detalhar as suas modalidades: • Informacionalização, processo hoje mais co- mumente referido pelo termo mais restritivo datificação; • Individualização e forte diferenciação de práticas (comunicacionais, informativas e culturais); • A transnacionalização progressiva dos produ- tos culturais e informativos; • Correlativamente, a crescente industrialização da cultura, da informação e especialmente das comunicações; • Conduzindo a uma articulação reforçada, mas ainda conflituosa entre indústrias, redes, ma- teriais e conteúdos – favorecidas (aceleradas) pela utilização generalizada de técnicas digitais;
Bernard Miège 34 • E, finalmente, a primazia cada vez mais observável da função de intermediação, muito pro- vavelmente incluída na apropriação do valor produzido (muitos autores têm insistido neste aspecto fundamental, mas sem conseguirem dar uma estimativa quantificada). 3. Por mais difundido que esteja hoje, o processamento algorítmico das relações produtor/consumidor, vendedor/cliente, bem como dirigentes/dirigidos, eleitos/eleitores, gestores/participantes, não escapa a questionamentos e críticas, sendo os prin- cipais deles: • O caráter secreto dos procedimentos, a ausência de regras éticas reconhecidas e a não publi- cação-discussão dos resultados (ainda mais do que anteriormente, com as técnicas clássicas de marketing); • Outra observação deve ser acrescentada: as grandes plataformas dominantes conseguiram, durante os períodos de confinamento sanitá- rio, oferecer habilmente os seus estoques de produtos audiovisuais (bem como novos filmes produzidos rapidamente) e apostar nas mudanças de usos (indo no sentido de consu- mo não linear de televisão), para ganhar rapidamente cotas de mercado. Esta estratégia, como apontam três autores, “[…] talvez condu- za a uma sobrevalorização da sua influência no ecossistema mediático. Seria, portanto, impor- tante documentar as práticas de produção e consumo que caracterizam outras plataformas de vídeo sob demanda” (Thoër, Boisvert & Nie- meyer, 2022, p. 30). Acrescentemos que esta observação pode certamente ser estendida à maioria dos produtos dos diferentes setores da indústria cultural. • A monopolização e o tratamento de dados por grupos e empresas, bem como por Estados, em situação de monopólio, como se reflete, por
Perspectivas e questionamentos sobre o advento das plataformas culturais e de informação 35 exemplo, nas reações recentes (fevereiro-março de 2023) ao TikTok; • Os consideráveis enviesamentos do tratamento (nomeadamente devido aos métodos de coleta de dados – a sua abundância em nada garante a validade e representatividade dos resultados obtidos –, e as sucessivas escolhas deixadas apenas aos especialistas); • Além disso – terceira série de questões e críti- cas – o trabalho regular e bastante sistemático de persuasão e convicção dirigido aos consu- midores/usuários, sobre a suposta superio- ridade destes métodos de coleta de dados de todo tipo, destacando o contributo destes mes- mos usuários-consumidores. 4. Plataformas culturais e informativas: propostas para análise do(s) seu(s) posicionamento(s) Tal como indicado na introdução, aqui e ali, estão em curso levantamentos e trabalhos de investigação, e alguns já fo- ram concluídos. E as revistas com influência internacional co- meçam a publicar artigos, na maioria das vezes relacionados com estratégias implementadas em determinados setores ou sobre aspectos parciais. Vamos nos ater aqui às três proposições a seguir: 1ª proposição: a heterogeneidade das situações: Esta é a conclusão em que insistem dois autores de um trabalho centrado na questão: O lugar ocupado por estas plataformas está lon- ge de ser uniforme em todos os territórios e […] não se estendem da mesma forma a todos os setores culturais. Não podem ser entendidas como um todo indiferenciado, assim como as estraté- gias dos atores das indústrias culturais no que diz respeito ao desenvolvimento destas plataformas são notáveis pela sua heterogeneidade (Thuilas & Wiart, 2023, p. 146).
Bernard Miège 36 Isto resulta no constrangimento já observado em face do termo bastante ambíguo “plataformização”, que reflete mal a diversidade de estratégias dos diferentes atores envolvidos e das atividades agora geridas pelas PF, especializadas ou gerais. 2ª proposição: não redução da intervenção das plata- formas às plataformas das grandes empresas norte-americanas, por mais dominante que seja: É esta perspectiva que está no centro de um programa de investigação, o PARADICC, ainda em curso, cujos líderes, Vin- cent Bullich e Laurie Schmitt, apresentam as questões (tanto a criação como a mediação e a inscrição territorial) e relatam-nas nestes termos, recusando-se a prosseguir: […] como se a intermediação fosse a única etapa relevante e pudesse funcionar independentemen- te das etapas anteriores. No entanto, é precisamente esta armadilha que queremos evitar ado- tando desde o início uma abordagem transversal. Trata-se de pensar nesta ação das plataformas como integrada numa cadeia mais ampla de coo- peração; o estudo deve compreender no mesmo movimento as estratégias dos atores que deliberadamente optaram por articular uma difusão po- tencialmente global do seu conteúdo e uma inscri- ção territorial da sua atividade (Bullich e Schmitt, 2022, texto não publicado). 3ª proposta: o necessário registro de plataformas nos território C s o : nsecutivamente, em relação às propostas anteriores e para clarificar a abordagem às PF culturais e criativas que começa a ser desenvolvida aqui e ali, acrescentarei ainda os ele- mentos de análise retirados de uma comunicação apresentada na recente Conferência Espaços Públicos e África (Université Lyon 2, novembro-dezembro de 2022) pelo acadêmico camaro- nês Nicanor Tatchim: Entre as iniciativas inovadoras [...] Kiro’o trabalha na politização através de jogos de vídeo de catego- rias retiradas do jogo político; Stillac Play e Cinaf
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz