Plataformas, algoritmos e IA: questões e hipóteses na perspectiva da midiatização

Ana Paula da Rosa 236 imaginários no plural, isso se refere não só à impossibilidade de uma imagem única, mas também ao fato de estarmos diante des- sa pluralidade de imaginários: o social, o individual, o midiático e o da máquina. Todos, certamente, em contato, coalescentes. Dizemos, muitas vezes, seja no cinema ou na pesquisa científica, que a máquina é homofóbica, racista e má. Alegamos que o imaginário da máquina está corrompido. Em parte, está mesmo. Mas se a máquina aprende, dialoga e interage, interessa pensar sobre os valores sociais contidos em nossos dados, estes mesmos que abastecem os programas como as nossas músicas favoritas durante um ano. Estes dados que compartilhamos e ce- demos, numa coerção voluntária em nome do acesso, poderiam não ser transmissíveis à máquina? Como nosso comportamento estigmatizante e, muitas vezes, corrompido pode ser desconsi- derado? Ou estaríamos tirando de nós mesmos a responsabili- dade pelos valores que agenciamos na circulação e imputando à máquina todos os créditos pelas inclusões, exclusões e estig- mas? Mais ainda, se à máquina cabe o fim distópico da domi- nação, por que nossos dados imputados no programa insistem em manter estigmas, moralidades datadas em novos circuitos? Talvez porque o imaginário da máquina evidencie muito mais os imaginários sociais do homem, aparentemente encobertos pelos discursos e retóricas públicas, mas não incólumes ao olhar da máquina que me sonha. Quando a retrospectiva do Spotify me imagina, apagando sofrimentos e marcas que carrego emmim, de certa forma dei insumos para que esse autorretrato fosse produzido. Claro que não há nenhuma inocência no programa e na máquina, porque ao Spotify cabe manter as lógicas vigentes. A minha retrospecti- va como assinante me dá uma visão completa, meu perfil gratui- to me entrega uma pequena dose, acentuando as exclusões que tanto vivemos no mundo dito real, onde a condição econômica amplia os abismos. Ser na ambiência da midiatização também passa por ter acesso, mas não somente acesso aos aparatos, aplicativos, lógicas, mas ter acesso efetivo ao espaço discursivo, às condições de produção e reconhecimento. Ser na ambiência da midiatização é lidar com disparidades e desigualdades sociais de modo ainda mais intenso.

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