Anatomia da polarização e barbárie comunicacional 79 âmbito institucional (igreja/padre e hospital/corpo médico). Encampa-se o direito à palavra de forma irrestrita em instân- cias em que este aparece circunscrito à processualidade comu- nicacional vigente. Nestes contextos, o “grito” dos bolsonaristas pode ser caracterizado como violência simbólica ou, no mínimo, um desrespeito aos interagentes legítimos. Conforme Klemperer (2009), os sermões exaltados, o “falar gritando” eram uma característica dos líderes nazifascis- tas. O ato de vociferar, berrar, falando alto sem prestar atenção no que diz, preconiza-se como estilo preponderante daquilo que o autor chama de LTI – Língua do Terceiro Reich (Klemperer, 2009). Este estilo era usado no sentido de silenciar a voz da ra- zão e o debate fundamentado, desestimulando e confundindo o livre pensamento. Quando se grita em uma missa, quebra-se um contra- to comunicacional específico: na homilia (sermão do padre), apenas o sacerdote fala e cabe aos fiéis escutarem atentamente seu discurso, o que é definido pelo rito católico. Neste caso, os bolsonaristas que gritaram durante a homilia destruíram o contrato do processo comunicacional envolvido, promovendo o que chamamos de descirculação e que detalharemos a seguir, esten- dendo a compreensão do processo de descirculação para outras processualidades além das que ilustramos até aqui. O respeito ao contrato de cada instância comunicacio- nal é um dos pressupostos para haver a comunicação. Quando isso não ocorre, temos a incomunicação, ou melhor, nas palavras de Lucien Sfez (2007), uma “comunicação confusional”, que per- de seu propósito comunicacional propriamente dito, enquanto ligação que põe em contato dois sujeitos. A máquina tautística se comunica “interminavelmente consigo mesma, em um solip- sismo circular perfeito” (Sfez, 2007, p. 140). No conceito de tautismo, Sfez (2007) propõe uma fusão entre os termos tautologia e autismo para a compreensão do efeito dos mídia na contem- poraneidade: ao mesmo tempo que os conteúdos são repetidos incessantemente, seus espectadores posicionam-se em desco- nexão com o mundo exterior. Entramos, sem poder mais sair, em uma comunica- ção orgânica, em uma autofabricação de dados ex-
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