Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Ana Paula da Rosa 210 Desta forma, identificamos que há um percurso entre o aparecimento, a valorização nas interações, o processo de rei- teração, o desaparecimento e o reaparecimento de determina- das imagens. Nesse trajeto há a autonomização da imagem em relação ao acontecimento, pois as remissões feitas estão volta- das mais à força imagética do que ao próprio fato. Retomemos Aylan Kurdi: já nem precisamos de sua imagem para vê-lo como aderente, imagem-síntese da crise na Síria. No entanto, nos úl- timos anos outras centenas de rostos de crianças vieram à tona. Quer dizer, não se trata da crise em si, mas da transformação de imagens valorizadas na circulação em decalques ou em ima- gens-totens (ROSA, 2012) O conceito de imagens-totens, ancorado nas formu- lações de Cassirer e de Durkheim, refere-se às imagens que convocam um laço profundo do social, acionando, assim, um imaginário coletivo. No entanto, a diferença central da ima- gem-totem é que esta implica restrições ao acesso de novas imagens ou de imagens diversas e à própria interpretação, já que as imagens primeiras se transformam em espécies de barreiras que impedem sua exclusão ou questionamento. Importa dizer que, no caso em análise, as imagens restritoras são exatamente aquelas produzidas de modo aparentemente livre, por instituições e atores sociais a partir de lógicas de midiatização. José Luiz Braga (2012) destaca que há diferenças en- tre lógicas midiáticas e de midiatização. As primeiras dão conta do atravessamento dos processos empresariais, ancorados na indústria cultural, no cotidiano do cidadão e dos usos das tec- nologias midiáticas e suas materialidades. No entanto, as lógi- cas de midiatização são mais complexas e se referem à proces - sualidade interacional da midiatização. Ou seja, não se trata de influência ou impacto da mídia no fazer social, mas do que a sociedade faz com a mídia e seus dispositivos. Isso significa di - zer que, além do atravessamento de campos, a lógica de midia- tização suscita estratégias e táticas experimentais por parte dos atores sociais. Certamente, muitas delas ecoam as marcas das lógicas de mídia, mas não se restringem à reprodução, estando longe disso. Para Braga, as lógicas de midiatização são

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