Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Redes sociais digitais e sistemas de relações 261 O que incomoda, no que não está estabelecido, parece ser essa quase ausência de código, essa abertura experimental que leva ao imprevisível, essa indistinção entre o possível e o necessário, essa instabilidade do conhecimento. Uma rede longamente estabelecida tem uma percepção mais ou menos clara a respeito de suas próprias justificativas de ação, assim como sobre as estratégias para o enfrentamento de seus objetivos. Nesse espaço, a comunicação pode se limitar quase apenas a uma adoção espontânea das práticas habituais. As urgências, ainda que menos previstas, dispõem de um acer- vo de indicações para os ajustes estratégicos ao circunstancial movente. Quando, entretanto, se dá uma intensa mudança de circunstâncias em grande número de setores, campos especia- lizados, instituições, mundos públicos e privados, a sociedade já não pode manter o conforto do “já compartilhado” para assegu- rar suas interações. Entramos então em uma fase, que pode ser mais ou menos longa, com necessidade de ajustes maiores, de experimentações menos controladas, de indícios ampliados de invenção social. Isso é justamente o que ocorre na fase atual da midia- tização social. A oferta de potencialidades antes não disponíveis no nível individual, para ações interacionais muito diversas da- quelas já estabelecidas, assim como seu acesso para o grande número de interagentes abrem esse espaço (e essa necessidade) de experimentação. Primeiro, problemas socialmente enfrentados por so- luções e estratégias mais habituais passam a buscar soluções mais efetivas com os novos recursos. Depois, as próprias estra- tégias experimentais geram novas urgências. Isso corresponde ao que Foucault caracteriza como um “perpétuo preenchimento estratégico” (FOUCAULT, 1994, p. 299). Ou seja: mais que as características propriamente ma- teriais das novas tecnologias, vemos incidir sobre as redes so- ciais “anteriores” e sobre a comunicação social em geral essa possibilidade, repentina e ampliada, de fazer o que já fazíamos, agora em modos muito diversos; e de fazer coisas que não po- díamos fazer por inexistência de linhas de circulação, por ausên- cia de condições concretas de fluxo.

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