Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Midiatização e jornalismo 47 e gatekeepers (porteiros ou filtros informativos). A imprensa tradicional, uma entidade híbrida de organização produtiva e instituição de abrigo da livre expressão civil, tem sido sociolo - gicamente caracterizada como esse “porteiro” – na prática, um intermediário entre o cidadão e a esfera pública. Aumenta a suspeita, entretanto, de que essa interme- diação poderia estar sendo afetada pela decomposição da polí- tica parlamentar, ao mesmo tempo que emergem novas formas sociais e novos embriões institucionais. De fato, o prestígio da imprensa escrita decorre de uma mediação politicamente com- prometida com o incipiente liberalismo oitocentista, voltado para a questão dos limites do Estado. A imprensa propõe-se a desvendar e combater os segredos do poder de Estado. Por ou- tro lado, é culturalmente herdeira do Iluminismo, que contri- buiu fortemente para a renovação dos padrões de vida por meio da defesa do discurso racional e da investigação científica. Na segundametadedo séculoXIX, o jornalismo foi funda- mental para o aperfeiçoamento das condições liberais de discus- são e persuasão, abrindo caminho para a democracia das opiniões num espaço público consentâneo com a Revolução Industrial e com o liberalismo político e econômico. O jornal era uma entida- de republicana. Dentro deste escopo, seria até possível conceber o jornalismo como um projeto político maior do que o “jornal” em si mesmo. De fato, já em 1920, o educador e filósofo pragma - tista John Dewey dizia que o jornalismo deveria ir além do mero relato objetivo de acontecimentos (o modelo em que a imprensa “reporta” e o leitor consome) para se tornar ummeio de educação e debate públicos. Favorecendo o diálogo direto entre cidadãos e jornalistas, a atividade jornalística, mais do que “reportar”, teria em seu âmago a promoção de uma “conversa” pública. Na virtualidade dessa conversa, incrementam-se os dogmas da “soberania do povo” subjacentes à moderna ideia de nação. Essa função, que é a virtude intrínseca da imprensa, lastreia eticamente o pacto de comunicação implícito na relação entre os meios de informação e a sua comunidade receptora. Seja no jornalismo escrito ou eletrônico, o dever do jornalista para com seu público-leitor (portanto, seu compromisso ético) seria dizer uma verdade, reconhecida como tal pelo senso co- mum desde que o enunciado corresponda a um fato.

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