Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Muniz Sodré 48 A virtude desse regime público de veridicção decorre do preceito das liberdades civis instituídas pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Foi assim que a imprensa livre pôde ser reconhecida como obra do espírito objetivo moderno e, deste modo, constituir um pano de fundo ético-político que tor- naria escandaloso para a consciência liberal, em qualquer parte do mundo, o fenômeno do jornalismo sensacionalista ou torna- ria condenável pela consciência moral do jornalista o falseamen- to ou o encobrimento da verdade factual. De fato, a política e a cultura presidiram à reinterpretação da koiné antiga na Europa do século XVIII. A irrupção dessa realidade nova na História foi um dos efeitos da transformação das relações de produção (a Revolução Industrial), que se alinhava com a expansão da de - mocracia burguesa. Eram estratégicas (aliás, na mesma esteira das proclamações teóricas e políticas de Rousseau) a educação e a cultura enquanto instrumentos da concepção de democracia como valor e como fim, e não mais apenas como mecanismo de governo. A disseminação dos dogmas da “soberania do povo” de- mandava o livre trânsito de ideias, o que suscitou o conceito de espaço público. O espaço público, supostamente o lugar natural de exercício da opinião pública aventada por Rousseau, sempre foi simultaneamente político e cultural, uma conjugação de política e Letras (na acepção ampla, e não apenas literária, da palavra). Discursivamente, ele se apoiava em instituições lite- rárias, arenas de debate e meios editoriais, além da impren- sa como “agente promotor de cultura”. A associação entre o Parlamento e as Letras era realmente familiar aos intelectuais oitocentistas. Para a instância política, era muito importante, se não essencial, como sustentava Dewey, “o aperfeiçoamento dos mé - todos e condições de debate, discussão e persuasão. Este é o problema do público”. 2 A realidade histórica desse dito “espírito objetivo” da época é parcialmente também uma projeção discur- siva da famosa “República das Letras” ou “república literária” europeia, que favorecia o diálogo de tipo retórico (em vez do 2 DEWEY, John. The public and its problems . Athens, OH: Swallow Press, 1980. p. 208.

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