Redes, sociedade e pólis: recortes epistemológicos na midiatização

Muniz Sodré 50 atual): “Mesmo a publicação diária e completa poderá ser cha- mada de completa e pública ? Não estaremos resumindo ao subs- tituir escrita por palavra, planos por pensões, ações de papel por ações reais? Ou a publicação consiste somente no relato do fato real ao público e não no relato do fato ao público real – isto é, não o público leitor imaginário, mas o público vivo, verdadeiro?” 5 A crítica marxiana dá margem à suspeita de que a argu - mentação liberal sobre o direito civil de livre expressão pode não coincidir inteiramente com o funcionamento da imprensa, que é classicamente ligada ao princípio liberal do parlamentarismo como “governo por publicidade e discussão”, mas que é hoje in- separável do sistema informativo como um todo – a midiatização – regido pela mesma lógica de velocidade de circulação das mer- cadorias, a que se tem chamado de “tempo real”. No interior desse sistema, o próprio conceito de “acontecimento” pode depender mais de uma modelagem algorítmica do que de negociações sim- bólicas entre os atores sociais que tradicionalmente concorriam para o jogo de linguagem ou “pauta” do noticiável. Apesar das críticas e dos históricos desvios de percur- so, o ideário liberal da imprensa burguesa mantém como pano de fundo a liberdade de expressão e a “conversa civil”. E não pode ser de outra maneira, visto que esse ideário se alimenta dos efeitos narrativos da historicidade política que caracterizava a imprensa desde o começo de seu florescimento no século XIX, no bojo do conceito iluminista de opinião pública e da concreti- zação do direito (civil) de expressão e liberdade de pensamento. A ideologia subjacente ao jornalismo ainda é o de afinar-se libe - ral e eticamente (logo, com virtudes públicas) com os princípios básicos da soberania democrática, tais como o constitucionalis- mo, a liberdade civil e política ou com ideais coletivos – a visibi- lidade das decisões de Estado, o estabelecimento da verdade so- bre questões essenciais para a coletividade, a informação isenta sobre a vida cotidiana, etc. Esses efeitos políticos – de natureza diversa da mera mobilização obtida por formadores de opinião nas atuais redes eletrônicas – sempre foramgerados pela diversidade das expres - sões correspondentes a posições de classe diferentes relativas 5 MARX, Karl. Liberdade de imprensa . Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 12.

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