Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

José Luiz Aidar Prado 160 ram aquilo que nomeiam de circuito de produção de desejos – de consumo de comida ou de suas imagens –, no qual consumidores, softwares, al- goritmos e corporações estão envolvidos em um complexo e dinâmico sistema de feedback que re- sulta em um movimento constante de circulação de paixões consumistas. Exemplificam: os consumidores compartilham seus desejos por um tipo particular de comida através de uma imagem. Ou- tros consumidores reagem a isso. Softwares e algoritmos entram em ação e promovem outras co- nexões envolvendo corporações ligadas à comida, desde o agrobusiness até supermercados, lojas especializadas e menus de restaurantes. Novas ima- gens e produtos são oferecidos, despertando no- vos desejos de consumo, em um circuito infinito. Trata-se de um processo no qual as redes sociais têm tido um papel fundamental na organização e convocação das nossas paixões/pulsões. Para McGowan (2004, p. 191), nossa é a sociedade do gozo, que nos aparece como perdendo coesão: seus sintomas (des- conexão, incivilidade, etc.) parecem indicar que, com a redução da proibição e com a convocação ao gozo, o laço social está em peri- go. Vemos isso com a ascensão da extrema-direita e seu programa do sujeito obscuro que apela a uma era mítica em que emerge o supercorpo (a raça, a letra sagrada, o líder-mito) e o consequente circuito de ódio em torno do qual as hordas obscuras tentam fazer derreter as democracias. Como fazer cessar esse gozo sem limites? Voltar a uma era comproibições? Ao apelo de líderes cada vez mais superegoicos? Como diz McGowan, o problema com a sociedade do gozo comandado (ou, na minha forma de ver, convocado) – o que constitui perigo para nós não é o gozo que ela desencadeia, mas a barreira que ela põe ao gozo. Ao invés de ser asse- diada pela desobediência e pelo gozo transgressor, nossa sociedade tornou-se repleta de obediência, com sujeitos totalmente comprometidos com a sustentação de sua identidade simbólica, seu status dentro da ordem social prevalecente (ibid., p. 192).

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