Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Ana Paula da Rosa 182 venções e as normas gerais atuam do seu próprio modo, moldando um ser vivo em um sujeito reco- nhecível, embora não sem falibilidades (BUTLER, 2017, p. 19). A questão é: como determinar as normas para tornar sujeitos mais ou menos reconhecidos? Isso passa pela forma como o outro é apreendido, percebido como outro. A autora chama de enquadramento o processo realizado para conter, emol- durar e determinar o que é visto. Contudo, numa sociedade em midiatização conter e emoldurar não são expressões apropriadas, já que a moldura, embora afete, não determina a produção de sentidos. Assumir que o enquadramento midiático é determi- nante7 seria discordar de Verón no sentido de que as gramáticas de produção e reconhecimento estão sempre em desajuste, pois o sentido passa por diferentes camadas em circulação. Assim, reforçando a perspectiva de Verón em diálogo com a proposição de Braga (2014), as lógicas de midiatização não permitem contextos únicos, visto que há fazeres tentativos por parte dos sujeitos. O ponto aqui está na condição de visibilidade (ROSA, 2020b) que, assim como a de reconhecimento, precede a consti- tuição do visível. Quando falamos em uma condição, pensamos em um conjunto de elementos (normas, características, valores morais, imaginários antecessores) que permitam a visibilidade. No caso das crianças sírias ou em conflitos políticos, a visibili- dade se dá porque são corpos vivos, indicando a sobrevivência, talvez sinalizando um possível sucesso. Já as crianças das favelas são corpos mortos, rostos sem interesse, sem valor. Teriam sido sujeitos sem valor? Neste mesmo caminho, nota-se que é preferível ver o rosto do futuro – as crianças de um amanhã diferente – do que o rosto do passado, congelado na fotografia de arquivo, porque o rosto do presente é inalcançável. É preferível ver o rosto do estrangeiro e distante8, mas não do que está próximo e que nos 7 O enquadramento em nossa ótica é parte constituinte dos circuitos, mas o fazer dos sujeitos em comunicação vai além dos enquadres predefinidos. É de salien- tar, porém, que o emolduramento afeta a forma de acesso ao acontecimento, podendo interferir nos processos interacionais derivados. 8 Em evento com colegas pesquisadores da Suécia nos foi indicado o debate sobre o sofrimento à distância, como a obra de Luc Boltanski (1999) sobre política e

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