Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Midiatização, pós-verdade e produção de conhecimento sobre a COVID-19 267 A ideia de Habermas da esfera pública ajudou amostrar como os modos de exclusão eram as ferramentas que permitiam a dominação masculina. Os burgueses brancos estruturaram um tipo de racionalidade que fez sua perspectiva particular parecer a forma universal de inclusão e representação. As últimas décadas, mais do que qualquer outra coisa, revelaram a ambivalência não só das expectativas articuladas, mas também do próprio desenvolvimento do real. A visão de uma esfera pública digital transformada como uma esfera global em rede, reconfigurada em sua distribuição de poder e desterritorializada, é desafiada pela realidade de uma esfera pública desintegrada moldada por guetos cibernéticos (DAHLGREN, 2005), onde discursos públicos são cada vez mais administrados pelo uso político de algoritmos. De modo genérico, o conceito de esfera pública se re- fere ao processo discursivo através do qual as crenças e as opiniões públicas são produzidas e legitimadas: em essência, en- volve principalmente os processos comunicativos subjacentes à construção da opinião. Espaço público, por outro lado, também pode existir sem a esfera pública. No caso da internet e particu- larmente das redes sociais online, os espaços públicos mediados que tendem a ser enquadrados em ecossistemas comunicativos tornam-se espaços que certamente representam lutas políticas e determinados discursos políticos, mas não se configuram como formas de deliberação. Podem, por outro lado, exercer pressões sobre instâncias políticas deliberativas. O desenvolvimento da mídia digital acelerou o processo – ativo desde a década de 1980 – da diluição da esfera pública, que não funciona mais fora do espaço público, uma vez que este último também inclui o peri- férico, territórios da sociedade civil onde interesses, sensibilida- des e questões nascem e se desenvolvem, às vezes distantes das culturas tradicionais e legitimadas amplamente. Nestes espaços simbólicos (que muitas vezes também se oferecem como terri- tórios físicos para comparação e debate), há formas de engajamento cívico para desenvolver, e instâncias legítimas ou antagô- nicas ou contestatórias de culturas dominantes emergem. Richard Miskolci (2021) define a esfera pública atual como técnico-midiatizada por se materializar na confluência entre sua moldagem pelas novas tecnologias e a midiatização e

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