Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Midiatização, pós-verdade e produção de conhecimento sobre a COVID-19 269 formas, que se tornaram lugares de confronto e conflito sobre questões de opinião pública, facilitou o surgimento dos fenôme- nos de desordem de informação, trazendo conceitos tradicio- nais de estudos de mídia, como “manipulação” e “influência”, de volta ao debate público e acadêmico. Os elementos que fizeram o tópico da manipulação ressurgir nos estudos recentes sobre po- lítica estão precisamente associados à comunicação digital, que inicialmente parecia ser o lugar para a autonomia do sujeito e haveria se tornado um espaço de manipulação dos usuários por meio dos algoritmos. A análise do papel da comunicação digital e em rede nas configurações sociais e políticas contemporâneas deve buscar também uma compreensão sobre as mudanças no regime de verdade. Recentemente, Jayson Harsin (2020) argumentou que fenômenos pós-verdade (notícias falsas, boatos, mentiras, cons- pirações, desinformação, recusa da ciência, polarização política, pânico moral) podem ser vistos de maneira útil através de uma lente de emoção agressiva e masculinidade, entendida como po- lítica de verdade emotiva (emo-truth). Se a pós-verdade, como teorizaram os estudiosos da comunicação crítica, refere-se a uma mudança histórica do que Michel Foucault chamou de “re- gime de verdade”, a quebra e remontagem de um aparato institucional particular de produção e manutenção de verdades, a verdade emotiva se refere a uma resposta à crise. A verdade emotiva prospera em uma era que também é caracterizada por, se não for pós-confiança, pelo menos, por desconfiança generali- zada. Simmel (1967) argumentou pioneiramente que a confian- ça tinha uma relação próxima com o conhecimento popular ou a verdade pública na massa moderna, particularmente nas socie- dades urbanas. Era uma forma intermediária de verdade, entre verdades/crenças científicas ou religiosas e a opinião popular. O conhecimento público é, em uma palavra, terceirizado. Giddens (1994) viu mais tarde a frágil confiança pública como típica das sociedades pós-tradicionais e argumentou que as instituições como o governo precisavam realizar constantemente “confian- ça ativa” na interface com os públicos. Dentro dessas interações sociais, a produção de um tipo de conhecimento embutido em narrativas particulares é um dos vários métodos de estabelecer um regime de verdade.

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