Midiatização, pós-verdade e produção de conhecimento sobre a COVID-19 273 para um fenômeno de crise de institucionalidade, legitimidade e reconhecimento da verdade como atributo fundamental da ciência e do jornalismo, por exemplo. Fortemente marcada pelas redes sociais online, pela possibilidade de compartilhamento de opiniões pessoais, pelo encontro e vínculo com semelhantes e o fechamento em circuitos comunitários marcados por crença, confiança, pessoalidade e dogmas sob a guisa da liberdade de expressão (cf. SACRAMENTO; PAIVA, 2020), o que estamos ain- da discutindo são mudanças significativas no regime de verdade contemporâneo, no qual o testemunho, a experiência e o direito à liberdade de expressão são vistos como fundamentais na aferi- ção do que é verdadeiro. Num determinado regime epistemológico contemporâneo, marcado pela noção e pela prática da pós-verdade, o pro- dutor do conhecimento não é necessariamente o cientista que estabelece como objeto uma relação de distanciamentometodológico, mas a testemunha que adquire autoridade ao vivenciar a realidade com o próprio corpo ou observar a experiência alheia: “[...] uma autoridade que, em última instância, repousa na dupla presença do corpo: o corpo lá, na cena original dos eventos, e aqui, no momento da narrativa” (OLIVEIRA, 2020, p. 82). Nesse sentido, o que nos interessa observar aqui é o lugar do testemunho na definição de verdade em sua relação com a política. Até que ponto a filiação a um projeto político de extrema-direita, como um sistema de crenças compartilhadas, faz com que médicos abandonem a verdade objetiva (dos fatos verificados pela ciência) em prol da afirmação de um testemunho sobre a expe- riência clínica? Quais são os argumentos utilizados para estabelecer a experiência clínica pessoal, para que se possa desprezar a prática da medicina baseada em evidências?6 Ou mais, como tornam evidências, assim como Bolsonaro faz, as próprias experiências e opiniões? 6 A medicina baseada em evidências, em síntese, é um movimento que estabele- ce, a partir da segunda metade do século XX, a importância para o ensino e para a prática de a clínica médica ser baseada no conhecimento científico acumulado sobre determinada doença e agravo, bem como suas formas de profilaxia, tra- tamento e controle. Para mais informações, sugerimos, como uma introdução, a leitura de Gomes (2001).
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