Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Igor Sacramento 274 No contexto contemporâneo, há um ethos testemunhal que visa capacitar falas públicas ao status de verdadeiras por narrarem uma experiência pessoal: o referente da realida- de narrada é a própria experiência pretérita do acontecimento daquele que narra (SACRAMENTO; BORGES, 2017). Se o ethos designa um procedimento discursivo de produção de confiança no que se enuncia pela imagem construída de quem enuncia na e pela situação enunciativa, nesse contexto, o que vemos é que a legitimação da confiança dos enunciadores está na própria ex- periência: é referenciada pela experiência pessoal como fala pública. O enunciador vive aquilo de que fala: é o narrador, a fonte e o referente do relato de sua experiência. Os argumentos expe- rienciais, em síntese, se relacionam com esse movimento de autorizar ou autenticar a fala do enunciador pela sua experiência vivida. Emerge um novo regime epistemológico fundamentado no testemunho: o testemunho, na contemporaneidade, parece estar substituindo o método científico de verificação e a verda- de. A experiência como lugar da verdade tomou, inegavelmente, um lugar central. A midiatização do ethos testemunhal enfatiza uma nova lógica do testemunhal, centrada na articulação do indiví- duo com sua imagem. Ou seja, tal processo não faz do carater do enunciador uma imagem (pela concretude da argumentaço e da presença diante dos enunciatários, na retorica classica), mas produz o proprio enunciador como uma imagem (pela virtualizaço da presença e da argumentação, na retorica midiatizada). Ha cada vez mais uma necessidade de ser imagem, de produzir- -se como imagem, para poder falar de si e para ter a fala confiável: os enunciadores midiatizados so serao, sendo imagens. E como se eles so existissem – fossem criveis – midiaticamente. A imagem e seus regimes de produção de visibilidade (na imprensa, na televisão, no cinema e na internet) ganham uma nova dimensão na tessitura social quando não são apenas meios de tornar o outro e a si mesmo imagens, mas sobretudo quando se configuram a ambiência na qual os indivíduos produzem iden- tidades, subjetividades e interseções. Como abordaremos mais à frente, há uma nova organização da nossa relação com a verdade e com a realidade, profundamente marcadas pela crença nas imagens (especialmente quando elas encenam a vida ínti-

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