Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Midiatização, pós-verdade e produção de conhecimento sobre a COVID-19 277 passou, assim, a ser o próprio vivente, o sujeito da experiência, cada vez mais compreendido como o único autorizado a pro- duzir conhecimento sobre si. A formulação “lugar de fala” ain- da não era explicitamente utilizada, mas o seu sentido básico já estava dado: sujeitos estruturalmente oprimidos eram capazes de falarem por si só e suas vozes tinham legitimidade política e epistemológica. Até mesmo os historiadores profissionais, menos engajados nas agendas contemporâneas do que seus cole- gas de outras ciências sociais, foram sensibilizados por essas tendências de época e passaram a tematizar os “novos sujeitos”, num esforço de empoderamento retroativo (OLIVEIRA, 2018). A noção de “lugar de fala” passou a ser explicitamente mobilizada com mais frequência na virada do século XX para o século XXI, tornando-se objeto de vigorosas controvérsias den- tro dos movimentos sociais e de partidos de esquerda. Essas discussões muitas vezes caricaturaram o conceito, transformando-o em uma interdição que definia quem poderia falar e quem deveria ouvir, ou resultando em críticas, muitas vezes superfi- ciais e apressadas, aos que eram pejorativamente chamados de “identitários”. Os impactos do “lugar de fala” nas esquerdas bra- sileiras foram recentemente estudados (MORAIS, 2018). Sendo assim, “lugar de fala” é, ao invés disso, “a localização dos grupos nas relações de poder”, o que impõe a necessidade de entender os marcadores de raça, classe e gênero “como dispositivos fun- damentais que favorecem as desigualdades” (RIBEIRO, 2017, p. 34). Com isso, o “lugar de fala” pretende ser não apenas um excluiu alguns fatores preexistentes de serem postos em dúvida. Para Nietzsche, isso leva a uma crítica dos dois pontos de partida básicos de Descartes em seu projeto: colocar a razão contra a dúvida a fim de alcançar a certeza e a ideia de consciência como a condição de existência. Em segundo lugar, ao afirmar “Sum, ergo cogito”, Nietzsche parece estabelecer este primeiro ponto como um princí- pio contra o qual o “cogito, ergo sum” de Descartes é um ditado possível para os humanos apenas como uma criação superficial. Em outras palavras, a afirmação de Descartes só é possível por causa de seu conceito de pensamento a priori (cogito) que já é derivado de um conceito de existência (sum), os quais equiva- lem a construções sociais. Além disso, ambos têm validade apenas no mundo da lógica e da linguagem. Assim, Descartes não põe em dúvida a conceituação de pensamento, existência, consciência e assim por diante. Ainda assim, Nietzsche discorda do cogito de Descartes não apenas porque seus fundamentos metafísi- cos são necessários para derivar a certeza da existência humana, mas também devido à sua concepção de um sujeito cujo pensamento parece estar dissociado da vontade de poder, e não uma consequência disso.

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