Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Igor Sacramento 278 conceito útil à análise do discurso, mas também um programa político-epistemológico que tem o objetivo central de corpori- ficar o sujeito cognoscente, atribuindo-lhe carne, osso, cor de pele, raça, identidade de gênero, sexualidade e classe, lançando luz sobre seu pertencimento, sobre o lugar de onde está falando. Na sua observação, Oliveira (2020) observa um paren- tesco epistemológico entre o negacionismo científico bolsonarista e o lugar de fala progressista. Embora sejam projetos com fundamentos ético-políticos divergentes e concorrentes na vida social, compartilham a insatisfação com o observador cartesiano incorpóreo. No século XXI, observamos o incremento do inte- resse em situar o ponto de observação no tempo e no espaço, do- tando o sujeito cognoscente de um corpo capaz de experimentar a realidade. Primeiramente, essa corporificação assumiu a for- ma do relativismo histórico, em que o corpo foi contextualizado no tempo histórico. Em seguida, a observação direta, in loco, foi alçada à condição de fundamento epistemológico de nova forma de produção de evidência: da experiência, menos como indício da verdade do que como a própria verdade. Na cena brasileira, o lugar de fala progressista e o negacionismo científico ultracon- servador são “as manifestações mais recentes desse chamado ao corpo, dessa afirmação do corpo como instância produtora de sentido” (OLIVEIRA, 2020, p. 97). Finalmente, na era da testemunha contemporânea, de acordo com Wieviorka (1998), o testemunho é um verdadeiro imperativo social que se coloca como uma necessidade interior. Como já observado em outro trabalho (SACRAMENTO, 2018), o testemunho, como narrativa autobiográfica dominante, estabelece outro tipo de relação com a verdade, que não é com a evi- dência ou a pretensa objetividade do conhecimento científico, mas baseada em valores como sinceridade e autenticidade. Ou melhor, a evidência é a garantia da existência real do relatado pela narrativa da experiência vivida. Trata-se de um desloca- mento da referencialidade da objetividade para a subjetividade. A promessa da autenticidade de quem conta está na perfor- mance, nas estratégias enunciativas (no clima de intimidade, na busca de proximidade, na revelação de detalhes da vida pessoal, na exposição de emoções e de opiniões). Afinal, quem diz “isso aconteceu comigo” coloca o corpo no discurso, oferecendo ao

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