Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Igor Sacramento 282 ram que iniciaram o protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina”9. A notícia da “possível cura dos pacientes de COVID-19”10 veiculada por aquele que detém as credenciais de presidente da República goza de certos privilégios e comporta presunções de verdade inerentes ao cargo ocupado. Na condição de detentor também das credenciais de comandante supremo das Forças Armadas, no mesmo vídeo em questão, Bolsonaro também anunciou a decisão, tomada jun- tamente com o ministro da Defesa, de ampliar a produção do medicamento pelo laboratório químico e farmacêutico do Exército. Ainda no mesmo dia, publicou uma segunda postagem na qual assegurou à população que “[i]sso se chama precaução. O medicamento é barato e caso venha a ser comprovada a eficácia no combate à COVID-19, estaremos preparados para atender a todos os brasileiros rapidamente”, reiterando que “ainda que os testes do medicamento apresentem ineficácia no tratamento específico ao coronavírus, ele já é comprovadamente eficaz no combate a outros tipos de doença como a malária, constando, in- clusive, no guia de vigilância epidemiológica atualizado”. Finalmente, com o respaldo que as credenciais lhe conferem, justifica o investimento na promoção da hidroxicloroquina como o cum- primento da responsabilidade que o cargo lhe impõe para com a saúde do corpo social: “Enquanto uns seguem buscando o caos, seguimos buscando soluções para proteger a nossa nação”11. As credenciais que respaldam Jair Bolsonaro como digno da confiança popular têm sido estrategicamente articuladas como provas retóricas, produzindo a crença na eficácia da hidro- xicloroquina como extensão da crença que o povo tem no chefe da nação. Desta forma, o presidente brasileiro insiste que é dever 9 Disponível em: https://bit.ly/2RvwB1W. Acesso em: 23 de julho de 2020. 10 Observamos que, pouco mais de quatro meses depois da publicação do presi- dente, em 23 de julho, a pesquisa conduzida pela coalizão liderada pelos principais hospitais brasileiros – Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Ven- to, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa, assim como pelo Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e pela Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) – anunciou que “entre os pacientes hospitalizados com COVID-19 leve a moderada, o uso de hidroxicloroquina, isoladamente ou com azitromicina, não melhorou o estado clínico em 15 dias em comparação com o tratamento padrão”. Disponível em: https://bit.ly/3klB83n. Acesso em: 28 de julho de 2020. 11 Disponível em: https://bit.ly/3mlTzXs. Acesso em: 10 de setembro de 2020.

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