Interações em tempos de Midiatização Profunda

mediação radical em plataformas midiáticas online

  • Tiago Barcelos Pereira Salgado PUC Minas

Resumo

Este artigo objetiva caracterizar os processos constituintes de interações midiatizadas em plataformas midiáticas online por meio da noção de “mediação radical”, partindo da premissa de que as coletividades urbanas e pós-industriais se encontram na terceira camada da midiatização: a midiatização profunda. Desse modo, toma como hipótese que as interações midiatizadas em ambientes online é mediada radicalmente. Isso implica compreender que o processo de midiatização, em vias de consolidação, atrela-se fortemente às dimensões tecnológica, digital e online que passam a configurar os meios de comunicação e informação atuais (Hepp, 2020), regidos, sobretudo pela lógica de recomendação, classificação e monitoramento operada por algoritmos. Essa camada mais profunda da midiatização é o que Hepp (2020) nomeia “midiatização profunda” e é ela que tomamos como tema para este artigo. Tal temática é delimitada nas plataformas midiáticas online e mídias digitais com acesso à internet, que são os meios mais utilizados pelas pessoas – 67% de toda a população mundial os utiliza, conforme a pesquisa Digital 2019 realizada pela We are social.[1] A utilização exponencial de mídias digitais acompanha o crescimento de usuários de internet, que aumentou 9,1% em relação a 2018. Os modus operandi das plataformas mais utilizadas, como Facebook, YouTube, Instagram e Twitter, conforme a pesquisa referida, fundamenta-se em nossas ações online para a recomendação de conteúdos, muitos dos quais atrelam-se à publicidade, e medeiam conteúdos diversos entre usuários e instituições midiáticas. Com efeito, segundo Mozorov (2018), só podemos conhecer o mundo digital hoje se levarmos em conta a interseção de lógicas complexas que regem a política, a tecnologia e as finanças, eixos sustentadores das plataformas midiáticas online. O uso exacerbado desses meios acarreta uma produção gigantesca de dados, dinâmica nomeada “datificação” por Marres (2017). De fato, como destaca a autora, o social e as relações sociais se convertem, cada vez mais, em dados digitais. Graças à digitalização, como reconhece Hepp (2020), a datificação se tornou possível. Ao se atrelar, ainda, ao big data, a datificação possibilita o monitoramento em tempo real e a análise preditiva dos rastros deixados pelas diversas ações que os usuários realizam em plataformas midiáticas online, loci não apenas de produção de dados, como também ambientes de coleta desses dados (Bruno, 2012, 2013; Mayer-Schönberger e Cukier, 2013; Van Dijck, 2017). Nesse processo intenso de datificação, os algoritmos assumem importância fundamental na organização e constituição das interações, pois regem a lógica das plataformas midiáticas online. Com base nos dados dos usuários, tais plataformas recomendam aquilo que será visto, clicado, curtido, compartilhado, favoritado e deletado pelos usuários. Desse modo, seria possível pensar que as interações seriam reduzidas, e em certa medida limitadas, às affordances oferecidas pelos meios digitais, tais como as reações (reactions do Facebook), o limite de caracteres no Twitter, os tipos de inserções textuais e imagéticas no YouTube e Instagram, entre outras possibilidades a serem investigadas. As recomendações algorítmicas atuam na conduta dos sujeitos, que passam a ser perfilados, classificados, de modo que configuram perfis psíquicos (Bruno et al., 2020). Acerca desse homem digital fragmentado em dados e em perfis, Han (2018) o caracteriza como um alguém anônimo, que se expõe e compete por atenção. Há um imperativo de que é preciso ser visto pelos outros e também visualizá-los, curti-los, comentá-los, compartilhá-los e marcá-los, e em algumas ocasiões, excluí-los. Muitas vezes, então, a interação midiatizada nesses ambientes se dá por uma metrificação, que não necessariamente implica em diálogo, troca ou reciprocidade, mas em apenas um clique, ou nem mesmo isso, pois há ações que não são registradas e tornadas visíveis pelas plataformas, como um simples acesso a um conteúdo sem nenhuma reação (curtida ou comentário, por exemplo). Os usuários e suas ações online são, assim, estoques valiosos de informação, pois seus dados viabilizam modelos de negócio baseados em publicidade (Morozov, 2018). Não é à toa que as plataformas midiáticas online investem em interfaces e conteúdos que nos façam permanecer mais tempo nelas, pois, dessa maneira, agiremos mais nelas e, consequentemente, produziremos mais dados acerca de nossas preferências, que servirão à lógica capitalista de controle social. Esse controle é entendido aos modos de Deleuze (1992), para quem nos tornamos cifras. Ao nosso modo de pensar, nos tornamos dados numéricos que integram a governança algorítmica das plataformas, que operam em linguagem numérica (digital). As interações midiatizadas estariam, então, diluídas pela digitalização e datificação? Vale destacar que o movimento de acesso e engajamento junto aos dados novamente repercute na dinâmica de recomendação algorítmica, numa espiral de mediações que conjugam não apenas ações humanas, mas também ações não humanas. Com efeito, trata-se daquilo que Grusin (2015, p. 132, tradução nossa) se refere por “mediação radical”, em que “todos os corpos (humanos e não humanos) são fundamentalmente mídias, e toda a vida é ela mesma uma forma de mediação”. Como ressalta o autor, durante os séculos XIX e XX, a mediação se torna uma questão fundamental em vista da aceleração tecnológica e proliferação de tecnologias de mídias digitais. A perspectiva de mediação radical que ele apresenta busca considerar a mediação de atores não humanos, tratando-os, aos modos de Latour (2005), como mediadores, e não apenas meros intermediários, que agem sem produzir transformações e impactos naquilo que medeiam e no que possibilita a mediação, bem como nos demais atores enredados nessa dinâmica associativa. Em um mundo tecido numa “espiral de mediações” sobrepostas (Orozco Gómez, 2006), sejam elas políticas, econômicas, educacionais, religiosas ou tecnológicas, em atravessamentos e arranjos variados de umas e/ou de outras, a proposta de Grusin (2015) é considerar a mediação de atores não humanos como igualmente válida. Nesse sentido, o autor entende que é a mediação o que possibilita a emergência de sujeitos e objetos, bem como a individuação das entidades no mundo. Assim, a singularidade das relações está nos diferentes modos como humanos e não humanos se vinculam. Em decorrência dessa dinâmica híbrida, cabe qualificar que as interações midiatizadas em plataformas midiáticas online se dão pela mediação radical. A “plataformização da web” é outra dinâmica a ser qualificada no artigo, em função da importância das plataformas no processo de captura, estocagem, organização e redistribuição de informações, além de funcionarem como “gestora de dados” (Helmond, 2015). Tal dinâmica, conforme Helmond (2015), é potencializada pela criação de conteúdos pelos próprios usuários, que se tornam, ao mesmo tempo, produtores e consumidores de conteúdos. Dessa forma, Bruns (2018) os considera como prossumidores ou produsuários (prosumers), rompendo com a hierarquia que separava remetente de destinatário e com o poder de cima para baixo exercido até então pelos produtores de conteúdo sobre seus receptores/usuários. Han (2015) evidencia que este duplo papel de produtor e consumidor assumido pelo homem digital contribui para aumentar enormemente a quantidade de informações produzidas e recebidas, além de dissolver “toda classe sacerdotal”, isto é, as instituições midiáticas que antes filtravam e mediavam conteúdos publicados online. Nesse sentido, o social é performado em ações online, e os dados digitais têm se tornado os mediadores primordiais da socialidade, bem como intensificado as interações conjugadas entre humanos e não humanos, explicitadas no agenciamento de algoritmos e objetos técnicos conectados à internet, como smartphones, tablets e notebooks. Interessa, nesse sentido, a esta proposta, aprofundar no sentido de mediação radical apontado por Grusin (2015) de modo a recuperá-lo, também, pela via do pragmatismo norte-americano, principalmente pela noção de “empirismo radical” elaborada por William James, de quem Grusin (2015) recupera a qualidade “radical”. Por meio dessa adjetivação, Grusin (2015) aponta a importância de olharmos para a materialidade das mídias e para os agenciamentos entre humanos e não humanos que elas convocam, de modo a atentarmos também para a mediação não humana. Em síntese, as diversas interações que ocorrem em plataformas midiáticas online colocam em relação humanos e não humanos, e essa relação híbrida deve ser considerada para análises que se voltam para a midiatização profunda. Assim, em consonância com a proposta do evento, questionamos: quais são as implicações da midiatização e da mediação radical no processo de formação em Comunicação e na produção do conhecimento comunicacional? A nosso ver, somos convocados a inventar outras abordagens, mais abrangentes e multidimensionais para compreendermos outras modalidades de interação entre humanos e não humanos.


 


[1] Disponível em: https://wearesocial.com/global-digital-report-2019. Acesso em: 18 jan. 2020.

Publicado
2020-10-27
Como Citar
SALGADO, Tiago Barcelos Pereira. Interações em tempos de Midiatização Profunda. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 4, out. 2020. ISSN 2675-4169. Disponível em: <https://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-resumos/article/view/1046>. Acesso em: 19 abr. 2024.