Quando um vírus ataca a célula

a midiatização da religião e os Grupos de Oração ONLINE da Renovação Carismática Católica, no caso COVID-19

  • Virgínia Diniz Ferreira UFSM

Resumo

1- Introdução


Este trabalho é um desdobramento da pesquisa proposta no projeto de doutorado feito para submissão em 2019, pouco antes da chegada dos primeiros casos do COVID-19, no Brasil. Sua pretensão inicial era analisar o aspecto midiático do movimento pentecostal católico, com sua materialização no movimento da Renovação Carismática Católica (RCC), a partir de desdobramentos considerados pertinentes de serem atualizados ou mesmo, vistos em outras perspectivas.


Até então, apenas as apropriações midiáticas (BONIN, 2016) feitas pelo Movimento da RCC eram abordados. No projeto de doutorado que deu origem a esse artigo, propõe-se abordar os Grupos de Oração carismáticos como estratégias comunicacionais do movimento, que mesclam elementos online e off-line de comunicação.  Ou seja, o próprio GO é um meio de comunicação e os membros, a partir de seus testemunhos (PUNTEL, 2005), também, que utilizam as mídias para propagação e manutenção do discurso religioso.


Esses GO, em geral, aconteciam nas Igrejas, salões paroquiais, Universidades, Cursinhos, praças, ambientes de trabalho diversos, de maneira semanal e presencial. Contudo, com o COVID-19, houve a migração dos grupos de oração carismáticos, considerados a célula base do movimento RCC, para o ambiente digital. Problematiza-se, assim, de que maneira o processo de midiatização já constatado no pentecostalismo católico - fenômeno que nasce dentro do catolicismo midiático (CARRANZAK, 2011) - sofreu alterações no que diz respeito ao processo de vivência da fé e propagação de sua espiritualidade.


Assim, o objeto empírico desta pesquisa são os Grupos de Oração (GO) carismático da RCC e o processo de migração para o ambiente digital, durante as restrições do distanciamento social e fechamento de templos, decorrente da chegada do COVID-19, no Brasil. Trata-se aqui de um início de uma pesquisa, onde o objetivo geral é perceber de que forma houve alterações nas lógicas definidas desses grupos de oração, quando migraram para o ambiente digital. E, especificamente, mensurar: o que mudou, de que forma mudou e quais as implicações no ambiente off-line dessas mudanças.


A pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e interpretativo, é feita em três momentos: o primeiro, exploratório, feita com base no Portal da RCC Brasil, onde estão registrados todos os Grupos de Oração da RCC no País, quantos GO existem. A partir daí, faz-se um recorte nos Grupos de Oração presentes no Estado do RS, escopo dessa pesquisa. Desse escopo, segue-se para um segundo momento, serão aplicados questionários aos coordenadores desses grupos de oração, com questões relacionadas ao uso das mídias para a realização dos grupos de oração que passaram a ser online.


Após coleta dos questionários, segue-se com a análise dos dados e a interpretação, à luz das teorias da midiatização da religião e a apropriação midiática do movimento RCC. Dessa forma, este artigo apresenta um relato da pesquisa em quatro tópicos: 1- Introdução, onde serão apresentados o problema, objetivo e pressupostos da pesquisa; 2- Grupos de Oração carismáticos, a célula da RCC a ser estudada, será apresentado o objeto empírico, com elementos de sua “anatomia”, que serão analisados na aplicação da metodologia e junto com eles, o referencial teórico da pesquisa; 3- Quando um vírus ataca a célula, apresenta-se o contexto social da pesquisa, os implicantes do COVID-19 para a Igreja do Brasil e a migração dos grupos e oração carismáticos para o ambiente digital. Neste tópico, será apresentado o relato da pesquisa. E por mim, o 4 – Considerações, expõe-se as considerações feitas a partir das análises desta pesquisa inicial.


2- O pentecostalismo católico e a célula “Grupos de Oração”


            Por que estudar os Grupos de Oração como elemento comunicacional e midiático da RCC, no processo de midiatização? Já há algum tempo a Comunicação também tem explorado a interface Mídia e Religião em suas pesquisas quando, por exemplo, descobre as alterações das lógicas da mídia e da religião a partir da centralidade da mídia nos processos sociais (Flores, 2010). Ou ainda, quando estuda as novas comunidades, consideradas comunidades de pertencimento, onde para além de espaços geográficos, formam-se por seguidores da TV Canção Nova (TVCN), que se identificam com a mesma fé e seguem a mesma programação, como mostra a tese de Gasparetto (2009). Um jeito novo de viver.


Nas pesquisas anteriores na área da Comunicação, contudo, percebe-se que existem pontos a serem considerados e explorados.


A RCC e Novas Comunidades, são resultado das mesmas experiências fundantes de fé, do mesmo fenômeno religioso, porém, em termos organizacionais, possuem estruturas diferentes (MARIZ, 2004), o que se reflete na configuração comunicacional de ambas. Isso pode se averiguar, por exemplo, com o fato de que as primeiras Novas Comunidades surgiram no Brasil no final da década de 1990, porém, em nível mundial, a RCC surgiu em 1967, final da década de 1960 e já na década de 1970 já estava presente em todo o mundo, inclusive, no Brasil. A RCC chegou em 1969, no Brasil e apenas duas décadas depois, onde já era um fenômeno religioso, chegaram as Novas Comunidades.


Uma expansão rápida e sem grandes repercussões midiáticas católicas. Visto que as primeiras concessões de TV surgiram duas décadas depois. No Brasil, ele foi considerado como pauta nas grandes emissoras como um fenômeno religioso, na década de 1990. Nesse período, já era um grande fenômeno, sem auxílio da mídia. Ou seja, a propagação e expansão no mundo e no Brasil, pelo menos nas duas primeiras décadas e início do movimento, não ocorreu via mídia massiva. Conforme poderia se supor, a partir das afirmações da Ciência Social (SOUSA, 2005).  E ressalta-se, expandiu em uma Igreja que já sofria com a diminuição dos fieis, segundo as pesquisas do CENSO do IBGE. Ou seja, em uma Igreja em crise, a RCC foi um fenômeno de expansão, sem a mídia. Que elementos causou sua expansão em uma Igreja que acusava esvaziamento de fieis?


O fato é que, passados 50 anos de movimento no mundo, comemorado em 2017 e 50 anos no Brasil, celebrado em 2019, a Renovação Carismática Católica permanece como um dos fenômenos religiosos que mais se apropriou dos meios de comunicação, porém, com dados curiosos quanto a isso: sem possuir uma emissora de TV ou de Rádio própria. A princípio, poderia se dizer que a representação social do movimento RCC, e a propagação de sua imagem como carro-chefe do movimento pentecostal católico, deu-se pelas televisões de emissora católicas carismática. Ou ainda, poderia se afirmar, que as novas tecnologias de comunicação, com destaque para as redes sociais e aplicativos mobiles, ampliaram o que antes se conhecia como televangelismo apenas de TV e Rádio (GOMES, 2010a). Porém, o que se percebe é que, dentro desse processo de midiatização da religião, o catolicismo midiático carismático da RCC, se estabeleceu utilizando uma forma hibrida de comunicação. Com forte atuação off-line e mescla de ações online. Lembrando, também, que, no período de seu surgimento no Brasil, a internet não era acessível nos lares. E as redes sociais sequer eram cogitadas.


Contudo, vale ressaltar que, paralelo ao contexto internacional, percebe-se que, no Brasil, a organização comunicacional da RCC, possui uma particularidade, uma vez que  possui um verdadeiro complexo midiático composto por[1]: mídias digitais (a RCC possui conta no Twitter, Facebook, Instagram, Soundcloud, Flickr e Youtube), impressa (Revista Renovação), dois programas de TV, um deles, na TV CN e outro na TV Evangelizar; uma editora (RCCBrasil) e um sistema interno de comunicação, uma espécie de intranet, o Serviço de Apoio à Vida Carismática (SAVIC). Internacionalmente, esta estrutura não existe, e até 2019, o Escritório Internacional da RCC, localizado no Vaticano, possuia apenas um jornal impresso, um site institucional e uma página no Facebook.


Nossa pesquisa, porém, se foca em um elemento não listado como mídia, os  Grupos de Oração.  Considerados a célula base do movimento (RCCBRASIL,2013), tê-mo-lo como um dispositivo (FOUCAULT, 2004) pelo qual circula boa parte da comunicação da RCC. Os GOs podem ser comparados com o pulmão da comunicação do movimento carismático, por onde passam as forças vitais que ajudam o coração – a instância de poder central, seja internacional, latina ou nacional – a bombear sangue para as veias da RCC e fazê-lo se expandir. Essa característica, seguia até a pandemia do COVID-19.


Pode-se dizer, então, que os G.O são os responsáveis pela grande propagação gerada com comunicação direta, face a face, marcada pelo testemunho dos participantes. Quanto a isso, o próprio Verón (2014), quando fala sobre a perspectiva semiantropológica da midiatização, já reforça, quando trata sobre a importância da comunicação face a face e o desenvolvimento do processo de midiatização na sociedade pós-industrial.


É justamente nesta forma de comunicação, que mescla a comunicação midiática e comunicação direta, que se percebe o poder de propagabilidade (JENKINS, 2014) e também um desenho particular gerado pelo que acredita ser, a apropriação midiática no movimento. Marca dos atuais desenhos midiáticos construídos a partir da multiplicidade de mídias, conforme Bonin (2016).


 


 


 


REFERÊNCIAS


 


BONIN, J. Questões metodológicas na construção de pesquisas e sobre apropriações midiáticas. In: MOURA, C.P. e LOPES, M.I.V. Pesquisa em Comunicação: Metodologias e práticas acadêmicas. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. cap 2. pag 215 - 231.


 


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FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. São Paulo: Edições Graal, 2004.  


 


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GASPARETTO, P. R. Midiatização da Religião: processos midiáticos e a construção de novas comunidades de pertencimento. Estudo sobre recepção da TV Canção Nova. Tese de doutorado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio Sinos – UNISINOS. Programa de Pós-graduação em Comunicação, 2009.


 


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[1] A Revista Renovação é bimensal, tem 36 páginas, foi criada em 2000 e possui uma tiragem de 6.500 exemplares, por edição; No Youtbe, @webtvrccbrasil, RCCBRASIL, criado em 2011, e possui até 08/10/2017, 25 mil seguidores; Twitter, @rccbrasil, pouco mais de 34 mil seguidores, até 08/10/2017; Instagram, @rccbrasiloficial,, criado em julho de 2017, possui 2.260 seguidores, até  08/10/2017; Flickr, rccbrasil, 53 inscritos até 08/10/2017; Soundcloud, rccbrasil, criado em 2016, possui 11 inscritos até 08/10/2017 e Facebook, rccbrasil, 837.929 seguidores, até 08/10/2017. Dois programas de TV: Celebrando Pentecostes, domingo, 23h, TV CN e Pentecostes Hoje, na TV Evangelizar (PR), quintas-feiras, 16h30.

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Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Linha de Pesquisa Mídias e Estratégias Comunicacionais, Área de Concentração Comunicação Midiática. Graduada em Comunicação Social, Rádio e TV, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Membro do Grupo de Pesquisa em Estratégias Audiovisual na Convergência (G-PEAC), integrado ao Núcleo de Estudos e Tecnologia (NEEC-UFMA). Tutora em Educação a Distância (EaD) pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMANet), em ambiente moodle. Experiência profissional nas áreas de: apresentação, direção e produção de programas para Rádio AM, FM e TV aberta; assessoria de comunicação com gestão e planejamento comunicacional; produção em audiovisual; gestão de conteúdo para sites, social mídia; produção de projetos culturais, com concentração em produtos de consumo religiosos, no seguimento pentecostal católico. Palestrante nacional em ações voluntárias para jovens e comunicadores e comunicólogos. Membro da Comissão Nacional de Comunicação, da Renovação Carismática Católica do Brasil (RCC), 2020-2022. Pesquisa: Midiatização, Midiatização da Religião, Catolicismo Midiático, RCC, Estratégias Comunicacionais. Em 2020, inicia suas primeiras pesquisas nas áreas de Mídia e Saúde; Mídia, Saúde e Religião e Midiatização da saúde.

Publicado
2020-10-27
Como Citar
FERREIRA, Virgínia Diniz. Quando um vírus ataca a célula. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 4, out. 2020. ISSN 2675-4169. Disponível em: <https://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-resumos/article/view/1171>. Acesso em: 28 mar. 2024.