Dataficação dos afetos: discussões sobre o conceito de plataformização e aplicativos de Online Dating

  • Luciana Ribeiro Rodrigues UFABC

Resumo

O presente trabalho é resultado de aproximações iniciais da autora com o objeto de pesquisa a ser trabalhado durante o processo de doutoramento (aplicativos de online dating e mudanças nas formas de relacionamento afetivo-romântica e afetivo-sexuais nos últimos 10 anos). Assim, há uma necessidade inicial em analisar se há aproximações com discussões recentes realizadas, principalmente dentro da área de critical media studies, acerca de dataficação da vida e, também, dos processos de plataformização.


Com o projeto de dataficação da vida visando abranger todas as áreas da vida social, há também uma preocupação, por parte das big techs desenvolvedoras de aplicações, em alcançar, também, a área dos afetos. Mais especificamente, neste trabalho, no que diz respeito aos relacionamentos afetivo-românticos e afetivo-sexuais, por meio dos aplicativos de online dating. Portanto, torna-se importante entender se eles, de fato, estão inseridos dentro dessa lógica e se, de fato, constituem plataformas que podem ser analisadas dentro deste fenômeno maior (plataformização), em conjunto com os processos de dataficação e dataísmo (DICK, 2014).


O presente trabalho mostra-se importante para cobrir uma lacuna presente nos estudos realizados atualmente sobre os aplicativos de online dating. Ao fazer um levantamento bibliográfico sobre as publicações realizadas em língua portuguesa e inglesa desde o surgimento do Tinder em 2012 (o primeiro aplicativo que utiliza geolocalização e uso de sistemas algorítmicos preditivos que se tornou popular), em 2012 até o ano de 2012, em periódicos com revisão por pares, notamos que os esforços de pesquisa direcionam-se para o foco no usuário: sua construção de subjetividades, criação do self, relação com outros usuários, pesquisas etnográficas nos ambientes de online dating, entre outras questões que estão muito mais intimamente ligadas com a pessoa usuária da aplicação. Apesar de serem extremamente importantes e identificarem uma parte essencial do fenômeno, encontramos a necessidade de analisar outras questões. Temos uma lacuna de pesquisas que abordem a perspectiva do objeto técnico, suas características e como essas aplicações também poderiam estar inseridas em uma lógica de plataformização.


Olhar para esse outro ponto de um fenômeno complexo e multifacetado é importante, pois defendemos que há uma relação entre objeto técnico e usuário em que ambos se modificam ao longo do processo e, portanto, é necessário, também, avançar nas questões relacionadas com


Portanto, o objetivo deste trabalho é analisar quatro aplicativos de online dating, sendo os mais populares1 sem direcionamento para nicho específico: Tinder, OkCupid (ambos pertencentes à Match Group2), Bumble (pertencente à empresa homônima) e Happn (pertencente à empresa homônima).


O objetivo, portanto, é identificar se essas quatro aplicações estão orientadas de acordo com as características levantadas por autores importantes da área que discutem o processo de plataformização em um contexto de dataficação (ou dentro de um capitalismo de plataforma): Poell, Nieborg, Djick, Helmond, Lemos, Couldry, Srnicek. Portanto, em um esforço inicial, levantaremos as conceituações desses autores sobre plataformas, seus pontos de convergência e divergência, a fim de identificar uma linha condutora para definirmos o que é, de fato, uma plataforma no contexto atual.


A partir disso, analisaremos pontos de alinhamento ou não das quatro aplicações selecionadas, com o objetivo de identificar se podemos falar ou não que elas constituem plataformas de fato. Trazer uma visão plural (ou seja, a partir de mais de um aplicativo) permite analisar se há uma tendência que poderia identificar o fenômeno de forma mais ampla, ou seja, para além de apenas um único produto de uma empresa específica, mas uma tendência que se consolidou nos últimos 10 anos como modelo de mercado principal, de forma que as aplicações novas, normalmente, seguem essa orientação, com poucas possibilidades de plataformas com lógicas diferenciadas quando falamos em online dating.


Também temos como objetivo discutir um outro ponto que consideramos importante ao pensarmos no fenômeno de aplicativos de relacionamentos afetivo-românticos e afetivo-sexuais: como a geração do desejo de observar/ser observado, expor-ver quem está se expondo também está alinhado com o modelo de negócios dos aplicativos de online dating. Para isso, queremos discutir o problema de pesquisa apresentado aqui, também, com uma perspectiva trazida na metáfora da Sociedade de Exposiçao (Harcourt, 2015).


Segundo o autor, para que seja possível coletar dados em uma lógica de dataficação, é preciso estimular, também, uma exposição dos usuários, para que possam fornecer seus dados. Nas aplicações de online dating, segundo nossa hipótese, isso é estimulado pelo o que Harcourt vai chamar de duplo movimento exibicionista-voyeurista, com o borramento das fronteiras público-privada e, assim, são aclamados quando se expõem (BALL, 2009).


Essa lógica traria, portanto, um duplo movimento: uma estimulação de desejos mútuos entre usuários tanto de observarem os demais participantes das plataformas de online dating, mergulhando na intimidade de terceiros – ainda que possamos olhar para a construção dessa intimidade de forma crítica (movimento voyeurista), quanto para o desejo de ser visto, desejado, expor-se para apreciação (movimento exibicionista). Esse duplo movimento fomentaria, portanto, as interações que geram e fornecem dados que, ao serem analisados, permitiriam identificar padrões e modular comportamentos dos usuários a partir disso (ainda que possamos questionar, para trabalhos futuros, se a predição realizada por essas plataformas, de fato, consegue manter o desejo do usuário ativo, ou seja, se ele, de fato, consegue encontrar as melhores opções de parcerias afetivo-românticas ou afetivo-sexuais no espaço, ou se há uma insatisfação constante de fundo que leva a pessoa a sempre retornar para elas).


Além disso, como o modelo de negócios dessas aplicações dependeria da permanência dos usuários no espaço, é preciso que esse duplo movimento gere, portanto, uma sensação de satisfação tanto com o “ser desejado” quanto no consumo de conteúdos sobre demais usuários, em um duplo estímulo de seduzir e ser seduzido dentro desses ambientes, ao mesmo tempo em que há, também, um desejo que nunca se completa (ou, caso contrário, o usuário não retornaria para o espaço, pois seu objetivo já teria sido completado).


Ao final da análise, podemos identificar que há mais pontos de convergência com as conceituações de plataforma mais discutidas no momento e, portanto, podemos falar que os aplicativos de online dating também estão inseridos em uma lógica de plataformização. Além disso, por lidarem diretamente com desejo (no campo afetivo-romântico e afetivo-sexual), há uma maior aproximação com esse duplo movimento exibicionista-voyeurista. Assim, acreditamos que essa perspectiva permite analisar o fenômeno da plataformização e dataficação dos afetos por meio de outras questões que, também, precisam ser analisadas e podem trazer novos questionamentos interessantes para pesquisas futuras.


A partir disso, é possível avançar nas análises das, agora nomeadas plataformas de online dating, dentro de um fenômeno maior (plataformização e dataficação da vida) e abrir novas possibilidades de analisar o fenômeno de forma mais complexa, analisando com maior clareza as relações existentes entre o objeto técnico e usuários, permitindo avançar nos estudos que já existem e que têm aumentado desde 2020, com a pandemia, em um momento no qual essas soluções começaram a ganhar maior evidência.


Assim, é possível, também, dialogar as pesquisas de plataformas de online dating dentro do contexto dos critical media studies e avançarmos nas discussões sobre essa temática. Portanto, apesar de ser um esforço preliminar, o presente trabalho cumpre sua função de aproximação com o objeto de pesquisa e esclarecer pontos importantes para avançar nessas questões.



1Utilizamos como critério o número de downloads realizados no ano de 2020, em consonância com a pesquisa de doutoramento da autora.




2 Maior holding de aplicativos de online dating do mundo atualmente.


Publicado
2022-11-07
Como Citar
RIBEIRO RODRIGUES, Luciana. Dataficação dos afetos: discussões sobre o conceito de plataformização e aplicativos de Online Dating. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 5, nov. 2022. ISSN 2675-4169. Disponível em: <https://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-resumos/article/view/1543>. Acesso em: 20 abr. 2024.