A midiatização de influenciadores com deficiência e a invisibilização digital
Resumo
Diante das diversas mudanças e acontecimentos relacionados às plataformas digitais, bem como à posse do presidente Donald Trump e à deportação de brasileiros dos Estados Unidos para o Brasil, o país se deparou no início de 2025 com a divulgação de uma lista de influenciadores digitais. A exposição dessa lista gerou debates sobre a ausência de criadores de conteúdo com deficiência. Em razão dessa exclusão, Ivan Baron, reconhecido como influenciador da inclusão, juntamente com outros comunicadores, manifestou-se publicamente sobre a ausência de seus nomes no documento. Assim, este artigo tem como objeto de estudo a declaração em vídeo de Ivan Baron no Instagram acerca da exclusão de influenciadores com deficiência dessa lista e os comentários desta publicação específica. O objetivo é compreender de que maneira o capacitismo se manifestou nesse episódio dentro da área do marketing e da comunicação, considerando seu impacto direto em diversos setores da sociedade. Como referencial teórico, este estudo utiliza-se dos estudos de Nancy Fraser (2006) sobre redistribuição, Axel Honneth (2003) sobre luta por reconhecimento e Pollyana Ferrari (2015) sobre as redes sociais digitais. A metodologia ampara-se na revisão sistemática da literatura e na análise de conteúdo categorial, conforme Lycarião e Sampaio (2021).
- A planilha dos influenciadores
De acordo com matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, a chamada planilha dos influenciadores reúne nomes de criadores de conteúdo digital acompanhados de avaliações feitas por empresas que já os contrataram. Porém, não é descrito pelos veículos de comunicação nem por perfis nas redes sociais digitais qual a fonte da planilha. O documento viralizou no dia 23 de janeiro de 2025 após trazer avaliações de famosos e influenciadores conhecidos do público, a partir do ponto de vista de quem já os contratou ou trabalhou com eles (Jornal O Estado de São Paulo, 2025). Observa-se que a midiatização desse episódio ocorre em um momento em que minorias, historicamente sub-representadas, passaram a se posicionar digitalmente, ampliando o alcance de temas que antes eram ignorados ou pouco abordados pela imprensa tradicional.
No caso de Ivan Baron, que possui mais de 500 mil seguidores no Instagram e ganhou maior visibilidade ao subir ao palco ao lado do presidente Lula durante sua posse em 2023, o questionamento gira em torno da ausência de pessoas com deficiência (PcD) na chamada planilha dos influenciadores. Em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram, no dia 26 de janeiro de 2025, Baron indaga:
O mercado publicitário precisa se perguntar qual a real diversidade que eles estão escolhendo representar? Vai ser apenas uma sub-representação? O vazamento da suposta “planilha dos influenciadores” responde muita coisa! Qual marca realmente afirma compromisso com a diversidade? (Baron, 2025).
- Redistribuição, reconhecimento e a midiatização da pessoa com deficiência
Para aproximar essa análise dos estudos de Nancy Fraser (2006) e Axel Honneth (2003), é essencial refletir sobre a relação entre economia e cultura a fim de compreender os processos de reconhecimento e redistribuição. Tanto a injustiça econômica quanto a injustiça cultural podem levar à revalorização de identidades, à valorização positiva das diversidades culturais e de seus saberes, à transformação de padrões sociais e à reformulação da representação, interpretação e comunicação, impactando diretamente a construção da identidade individual e coletiva. A teoria da redistribuição proposta por Fraser (2006), aplicada ao episódio da planilha dos influenciadores, exemplifica a tensão entre a luta por reconhecimento e a luta por redistribuição. Nesse contexto, o marketing atua como um agente desestabilizador de determinados grupos minoritários da sociedade, como as pessoas com deficiência.
É importante destacar que, nesse caso, o reconhecimento das pessoas com deficiência por aqueles que não possuem deficiência continua sendo um aspecto necessário e desafiador. Ao longo da história, leis, diretrizes, declarações e diversos documentos jurídicos foram criados e aprovados majoritariamente por pessoas sem deficiência em todo o mundo. Mesmo em 2025, a representação de PcD em cargos públicos, no parlamento e entre profissionais da comunicação permanece escassa. A luta por reconhecimento evidencia como grupos sociais e indivíduos estão inseridos ou excluídos da sociedade contemporânea. A planilha dos influenciadores está diretamente relacionada à estima social e à aceitação recíproca das qualidades individuais, avaliadas a partir dos valores da comunidade. A exclusão de influenciadores com deficiência dessa lista sugere que as empresas de marketing ainda não os consideram potenciais contribuidores digitais e produtores de conteúdo, reforçando barreiras estruturais e simbólicas no mercado de influência digital. O que Honneth (2003) aponta como o valor do indivíduo: "uma pessoa só pode se sentir “valiosa” quando se sabe reconhecida em realizações que ela justamente não partilha de maneira indistinta com todos os demais" (Honneth, 2003, p. 2024).
Nota-se na fala de Baron uma abertura sobre seus sentimentos de exclusão e questionamentos sobre reconhecimento e valor no mercado publicitário. A análise desse discurso divide-se em alguns pontos principais: (1) sentimento de exclusão e validação social, (2) trajetória e conquistas no mercado digital; e (3) crítica às marcas e posicionamento no mercado. Em relação à estima social e à exclusão, Baron inicia seu discurso com uma pergunta retórica: Será que eu devo me preocupar? Esse questionamento demonstra a incerteza e a insegurança geradas pela ausência de seu nome na planilha. Em seguida, ele menciona o gatilho emocional despertado ao se deparar com a lista, o que evidencia o impacto psicológico da exclusão. O trecho “Será que eu não sou bom o suficiente?” reflete uma busca por validação externa e reconhecimento profissional, elementos essenciais para a autoestima de criadores de conteúdo (Instagram, 2025). A respeito da sua trajetória nas plataformas digitais, o influenciador menciona sua jornada desde 2018, e estabelece sua legitimidade no meio digital, enfatizando que apenas em 2021 conseguiu retorno financeiro significativo. A fala “De lá para cá eu já fiz centenas de públis com várias marcas que eu admirava bastante” reforça sua experiência e credibilidade (Instagram, 2025). A valorização das marcas que o contrataram não apenas pelo pagamento, mas pelo compromisso com a diversidade, destaca a importância de ações afirmativas no setor. Em relação aos desafios para influenciadores de grupos minorizados, Baron aponta como o mercado publicitário tende a invisibilizar criadores que pertencem a essas minorias sub representadas, especialmente aquelas que transitam por meio da interseccionalidade, como a deficiência, a identidade LGBTQIA+ e a regionalidade. A fala “quando você faz parte de algum grupo minoritário, você é uma hora ou outra você vai ficar para trás” sugere a lógica da cota simbólica, na qual apenas algumas figuras são escolhidas para representar a diversidade, enquanto outras são deixadas de lado (Instagram, 2025).
A fala de Baron também lança uma crítica às marcas, diferenciando aquelas que realmente defendem a diversidade. Essa distinção sugere que a publicidade ainda trata a inclusão como uma estratégia de imagem, e não como um compromisso genuíno. Deste modo, entende-se que o discurso do influenciador é uma denúncia sobre a falta de reconhecimento e as barreiras estruturais enfrentadas por criadores de conteúdo de grupos minorizados. Além do impacto pessoal, a fala levanta questões sobre como o mercado publicitário define relevância e influência. A ausência de diversidade na planilha reforça a necessidade de políticas mais inclusivas e de uma mudança estrutural no setor. É essencial ressaltar que a capacidade de publicar se transformou por meio das redes sociais digitais, como mencionado por Pollyana Ferrari (2015) a respeito da nova mídia: “A nova mídia, pelo contrário, dá a todos a oportunidade de falar assim como de escutar. Muitos falam com muitos - e muitos respondem de volta” (Ferrari, 2015, p. 35).
Porém, a exclusão de influenciadores com deficiência da planilha demonstra que mesmo com o poder da nova mídia, nestes casos, as plataformas digitais, a midiatização de PcD é impactada pelo capacitismo e logo não dá a todos a mesma oportunidade de alcance. Outra reflexão de Ferrari (2015) refere-se à comunicação horizontal que parece acontecer, mas na prática é impactada pelas diferenças entre os seres humanos.
Na perspectiva de Ferrari, as redes sociais digitais "transformaram a forma como estamos no mundo" (Ferrari, 2015, p. 162). Pode-se afirmar, portanto, que as pessoas com deficiência continuam sendo vistas como inferiores, não produtoras e não participantes plenas da sociedade. Mesmo com uma presença crescente e diversa nos territórios virtuais, essa visibilidade ainda não foi suficiente para reposicionar a PcD no contexto social. A topologia das redes sociais digitais também contribui para essa invisibilização, uma vez que os consumidores têm total autonomia para clicar onde quiserem. Essa liberdade de escolha frequentemente resulta na preferência por influenciadores sem deficiência, o que diminui a visibilidade de influenciadores PcD e reduz sua demanda no mercado publicitário. O papel narrativo mencionado por Ferrari pode, no entanto, fomentar a aproximação entre pessoas, pois "em nossa vida cotidiana procuramos nos aproximar de histórias que reflitam nossas angústias, desejos ou sonhos" (Ferrari, 2015, p. 110). Isso indica que seguidores sem deficiência tendem a consumir perfis que apresentem fenótipos ou estilos de vida semelhantes aos seus próprios.
- Interações digitais e seus processos sociais
A partir da leitura dos comentários presentes na publicação de Baron, este estudo propõe compreender a dinâmica de engajamento do influenciador, discutindo padrões de resposta e suas implicações para a comunicação digital inclusiva em relação a planilha dos influenciadores. A coleta categorizou os conteúdos em duas colunas principais: (1) Comentários e (2) Respostas. A coluna comentários apresenta as interações de usuários com o vídeo, enquanto a coluna respostas indica se o influenciador respondeu diretamente a essas mensagens. Com base nessa estrutura, os dados foram analisados qualitativamente, observando-se a presença ou ausência de respostas e o conteúdo delas.
Como resultados nota-se o reconhecimento de Baron a luta anticapacitista e destacam o papel de Ivan Baron e sua representatividade na inclusão social da pessoa com deficiência, como no exemplo: “Ivan vc é luz por onde passa e é voz de tantas pessoas" (Instagram, 2025). Observou-se que dos 15 comentários no vídeo, quatro receberam uma resposta direta do influenciador. Comentários que abordavam elogios diretos ao trabalho do influenciador ou manifestavam apoio foram os mais propensos a serem respondidos com mensagens de gratidão. Por outro lado, alguns comentários que não receberam resposta frequentemente tratavam de declarações gerais ou sem um apelo direto ao influenciador.
Este estudo sobre as interações no vídeo evidencia que Ivan Baron adota uma abordagem de engajamento que prioriza a gratidão, a informação e a inclusão nas interações digitais. Seu papel como influenciador da inclusão é reforçado não apenas pelo conteúdo que compartilha, mas também pela forma como se comunica com sua audiência.
Assim, o posicionamento de Baron em relação ao capacitismo midiatizado por empresas de publicidade reflete a luta diária das pessoas com deficiência e seu protagonismo nas redes sociais digitais. Esses processos sociais digitais demonstram como, cada vez mais, indivíduos e grupos têm transformado cultural e juridicamente a presença das minorias na sociedade. Ressalta-se que este estudo é fundamental no combate ao preconceito contra pessoas com deficiência por meio da midiatização.