Brincar é consumir?: a midiatização da brincadeira infantil na plataforma Roblox

  • Karla de Melo Alves Meira Universidade de São Paulo
  • Daniel Dubosselard Zimmermann, ddzimmer Universidade de São Paulo / Centro Universitário Belas Artes

Resumo

Introdução


Este trabalho aborda a Midiatização do brincar nas plataformas digitais de entretenimento incluindo o público infantil, que se reflete na inserção de consumos midiatizados pela gama de conteúdos marcários e de publicidade que circulam nas ambiências de entretenimento. Os objetivos são analisar o impacto das dinâmicas de interação infantil na plataforma Roblox, refletir sobre as implicações da presença de atores humanos e não humanos e obter insights sobre as práticas sociais e a publicidade nos aplicativos (apps) infantis.


Observamos que estes aplicativos de uso infantil na Roblox estão no centro das atenções no brincar contemporâneo, acompanhando a tendência de que a cada dia surgem variadas e numerosas possibilidades de apps mediando a interação social das infâncias com o mundo.


Brincadeiras infantis ocorrem por meio de telas de diversos dispositivos presentes nos lares desde a primeira infância, permitem que crianças muito pequenas brinquem em diferentes ambientes, inclusive nos públicos. Chamadas "digitods" (Leathers; Summers; Desollar, 2013), nasceram após 2007, na era dos dispositivos com tela sensível ao toque, e interagem intuitivamente com a internet. São o grupo mais jovem a crescer com ampla conectividade e diversos dispositivos móveis (Holloway; Green; Stevenson, 2013).


Neste cenário da cultura digital e do consumo infantil, as plataformas disponíveis, a Roblox se destaca como uma das mais atrativas, com mais de 85 milhões de usuários diários até o 4º trimestre de 2024 (Roblox, 2025), a plataforma oferece 6 milhões de experiências e 2,8 milhões de desenvolvedores, permitindo que qualquer usuário crie e monetize conteúdo. O objetivo é compreender então, como os gradientes de consumo infantil se manifestam nesses espaços digitais de interação e brincadeira.


Portanto, o trabalho foca na Roblox, analisando como consumo e brincadeira se conectam, buscando entender as nuanças do consumo e do brincar digital no ecossistema que permite crianças e desenvolvedores criarem, monetizarem e interagirem.


Assim, a metodologia parte de pesquisa bibliográfica, coletando casos e estabelecer uma relação de estudos sobre o brincar midiatizado na plataforma Roblox e consumo infantil, em conjunto com observação na própria plataforma. Procedemos a pesquisa empírica exploratória para coletar informações na Roblox e seus aplicativos (apps) com vistas à realização de estudo de caso, sendo especialmente útil quando não há uma separação clara entre o fenômeno e o ambiente em que ele ocorre (Yin, 2001). Conforme Gil (2008), o propósito da pesquisa exploratória é investigar o problema de pesquisa em diversas fontes de informação que permitam uma compreensão mais aprofundada do fenômeno estudado.


 



  1. Midiatização da brincadeira infantil no Brasil


A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 traz forte presença da mobilidade digital na infância, destacando que crianças e adolescentes utilizam majoritariamente o celular para acessar a internet (Cetic.br, 2024). Desde 2019, os dados já indicavam o crescimento da conectividade infantil, com 95% da população entre 9 e 17 anos conectada, somando 25 milhões de usuários.


O celular é o principal dispositivo, utilizado por 97% desse grupo, sendo o único meio de acesso para 20% dos entrevistados, proporção que sobe para 38% nas classes DE. O relatório aponta que crianças e adolescentes possuem boas habilidades operacionais, como baixar aplicativos e conectar-se a redes Wi-Fi, mas têm menos conhecimento sobre controle de gastos em apps. Também revela desigualdades no acesso, com 11% relatando falta de celular ou computador para se conectar, situação mais crítica nas classes DE, onde há escassez de pacotes de dados e velocidades limitadas. Abrangendo todas as classes, a Midiatização da brincadeira incorpora elementos de gamificação que incentivam os jogadores a completarem tarefas e ganhar recompensas.


 



  1. A brincadeira midiatizada na Roblox: brincar e consumir


Desde 2006 a Roblox tem se notabilizado por aspectos como inventividade e socialização, disponibilizando oportunidades para que indivíduos adultos, crianças e adolescentes estabeleçam conexões e trabalhem conjuntamente na elaboração de experiências lúdicas ou "Mundos" virtuais personalizados. Com disponibilidade em múltiplos dispositivos eletrônicos, desenvolveu um sistema econômico próprio, permitindo que criadores de conteúdo gerem receita por meio de transações dentro de seus jogos, utilizando Robux, a moeda digital da plataforma (Coautor; Autor 2; Autor 1, 2023), assim abrange 190 países com 16 idiomas.


Novas dinâmicas do brincar, necessitam de investigação sobre como tecnologias e plataformas, especialmente a Roblox, porque redefinem as práticas infantis em relação ao brincar tradicional. Consideramos que essas ambiências digitais se configuram tanto brinquedo quanto brincadeira, cumprindo funções sociais e carregando significados culturais profundos. O brinquedo, integrando elementos reais e imaginários do universo infantil, depende da produção de significados sociais ligados ao seu consumo, distribuição e fabricação (Brougère, 2004; Kline, 1993; Sutton-Smith, 1986). Logo, estas plataformas sendo descritas como brinquedo são também componente integrado a um sistema social.


A interação digital tornou-se essencial na socialização infantil. A desenvoltura nesse ambiente reflete diretamente o desenvolvimento social da criança, conforme contextos socioeconômicos e culturais. A dependência midiática é evidente, com os principais aspectos da socialização atual fundamentados nas plataformas digitais (Couldry; Hepp, 2020). Portanto, considerando a profunda midiatização da sociedade atual, é necessário entender a construção do mundo social não apenas como historicamente situada, mas também à luz das transformações sociais provocadas pelas tecnologias comunicacionais (Couldry; Hepp, 2020).


A cultura digital se coloca para além, na própria conformação das culturas digitais por meio das interações, das lógicas de funcionamento (pragmática) que estão dadas nas circulações, usos e consumos dos conteúdos digitais para as apropriações de sujeitos e instituições da vida social, logo contida nos processos, experiências e escolhas dos  consumidores-usuários destas tecnologias (Trindade et al., 2022).


Ainda segundo Couldry; Hepp (2020), as mídias e suas infraestruturas importam mais hoje em dia na definição da essência do que é realidade. Logo, as mídias exercem papel de “medialidade” cada vez maior da nossa experiência do mundo social, e também afetam como ele é construído como realidade. Existe a construção da realidade “multinível” do mundo social que ocorre em que vários níveis de comunicação, e atuam ao mesmo tempo. Assim, toda brincadeira de criança na atualidade pode envolver o que se denomina “profundidade de campo” (Couldry; Hepp, 2020, p. 196), pelas complexas interfaces de mídias, como por exemplo, o tablet e o smartphone, em que as crianças têm acesso às mídias que lhes oferecem interfaces manipuláveis com o mundo.


 


 



  1. Consumo infantil nas plataformas


No mundo, o playground onde as crianças brincam agora não é mais um parque com balanços e escorregadores, mas plataformas digitais recheadas de jogos, cores vibrantes e aventuras como a Roblox, uma plataforma de jogos que cativa milhões de crianças e jovens adultos. Para além de toda a diversão, há uma camada invisível de influências e mensagens que moldam a maneira como as crianças consomem e interagem com o mundo.


 Os usuários passam 2,5 horas diárias na Roblox explorando ambientes virtuais, como cidades, ilhas e experiências de compras (Roblox, 2025). Diante disso, marcas têm criado oportunidades para estimular a curiosidade e a expressão e também o consumo dos usuários. As ativações permitem a personalização por meio da compra de itens como vestuário, penteados e emotes no Roblox Marketplace, que oferece uma ampla variedade de produtos exclusivos.


Realizam compras em grupo, testam itens e interagem em um ambiente imersivo. Em 2023, foram registradas 3,7 bilhões de transações virtuais (Roblox, 2025), consolidando a plataforma como uma economia digital robusta, comparável ao PIB de alguns países. Essa dinâmica atrai marcas interessadas em experiências imersivas e impulsionadas tanto por desenvolvedores quanto por empresas que expandem sua presença além do mundo físico.


 


Considerações finais


O conteúdo publicitário da Roblox, com marcas específicas, variedades de brinquedos (apps) e brincadeiras, carrega responsabilidades na construção deste aspecto material da identidade consumidora infantil, no contexto profundamente midiatizado da sociedade contemporânea (Couldry; Hepp, 2020; Buckingham, 2012). Nesta perspectiva, é possível verificar que a midiatização do brincar, tanto brinquedo quanto brincadeira estão imersas no consumo material e imaterial – simbólico das marcas e  no midiático, em que o brincar é consumir e consumir é brincar.


Ainda sobre as reflexões de Nick Couldry e Andreas Hepp (2020), é importante aprofundar a discussão sobre as lógicas publicitárias no consumo de aplicativos na infância, em que a mídia contemporânea tornou-se "metapublicitarizada", tornando a publicidade onipresente na sociedade (Marti; Berthelot-Guiet, 2019).


Essa saturação leva as empresas a explorarem novas formas de expressão de marca, enquanto o público desenvolve cautela e resistência à publicidade tradicional. Esse cenário gera dois movimentos: a "despublicitarização", que elimina traços clássicos da publicidade, e a "hiperpublicitarização", que busca novas estratégias de divulgação. Esse último fenômeno se destaca na Roblox, em que há uma ampla presença de ações marcárias publicitárias.


A midiatização do brincar e do consumo na Roblox envolve sinais e lógicas que se refletem no habitus de consumo no digital. O estudo do agenciamento publicitário da plataforma como instituição midiática é essencial para compreender sua influência, orientando pesquisas sobre recepção e consumo. Além disso, a presença de usuários menores de idade levanta questões morais e éticas, tornando esse debate fundamental para a comunicação e o consumo, independente do sucesso dos agentes envolvidos.


Diante das mudanças na mediação publicitária do consumo, a publicidade, enquanto prática e discurso, contribui para o campo da comunicação, especialmente na perspectiva da publicização. Essa abordagem permite analisar as comunicações marcárias e as mediações nos processos de consumo e essa compreensão se dá pela observação do ecossistema publicitário, em que as marcas se manifestam de forma ampla e integrada (Trindade, 2019; Perez; Trindade, 2019).


 


Referências

 


BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. Revisão técnica e versão brasileira adaptada por Gisela Wajskop. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Questões da Nossa Época; v. 43).


 


BUCKINGHAM, D. Repensando a criança-consumidora: novas práticas, novos paradigmas. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, ano 9, v. 9. n. 25, p. 43-72, ago. 2012.


 


CETIC.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação). Resumo Executivo – pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil – TIC Kids Online Brasil 2023. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil / Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR / (Cetic.br), 2024.


 


COAUTOR; AUTOR 2; AUTOR 1, 2023.


 


COULDRY, N.; HEPP, A. A construção mediada da realidade. Tradução: Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2020.


 


GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.


 


HOLLOWAY, D. J.; GREEN, L.; STEVENSON, K. Digitods: Toddlers, Touch Screens and Australian Family Life. M/C Journal, v. 18, n. 5, 2015. DOI: 10.5204/mcj.1024. Disponível em: https://journal.media-culture.org.au/index.php/mcjournal/article/view/ 1024. Acesso em: 30 jan. 2025.


 


KLINE, S. Out of the Garden. Toys and Children’s Culture in the Age of TV Marketing. Toronto: Garamond Press, 1993.


 


LEATHERS, H.; SUMMERS, P.; DESOLLAR, A. Toddlers on Technology: a Parents’ Guide. Bloomington: AuthorHouse, 2013.


 


LIVINGSTONE, S. Internet, children and youth. In M. Consalvo and C. Ess (Eds.),


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MARTI, C.; BERTHELOT-GUIET, K. Advertising or not advertising: representations and expressions of advertising digital literacy on social media. In: Social Computing and Social Media. Communication and Social Communities: 11th International Conference, SCSM 2019, Held as Part of the 21st HCI International Conference, HCII 2019, Orlando, FL, USA, July 26-31, 2019, Proceedings, Part II 21. Springer International Publishing, 2019. p. 417-433.


 


PEREZ, C.; TRINDADE, E. Três dimensões para compreender as mediações comunicacionais do consumo na contemporaneidade. MATRIZes, v. 13, n. 3, p. 109-126, 2019.


 


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SUTTON-SMITH, B. Toys as Culture. New York: Gardner Press, 1986.


 


TRINDADE, E. Algorithms and Advertising in Consumption Mediations: A Semio-pragmatic Perspective. In: Meiselwitz, G. (Org.). Social Computing and Social Media. Communication and Social Communities. HCII 2019. Lecture Notes in Computer Science. Part II. Orlando: Springer, Champ. 2019. pp. 514-526. Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-030-21905-5_40. Acesso em 01 fev. 2025.


 


TRINDADE, E. et al. Lógicas publicitárias e mediações algorítmicas: algumas perspectivas. 2022, Anais [...] São Paulo / João Pessoa: Intercom / UFPB, 2022. p. 1-15. v. 1. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/nacional2022/ resumo/ 0713202217033162cf25138abc1.pdf. Acesso em: 30 mar. 2025.


 


YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2 ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.


 


 


 


 


 


 


 

Biografia do Autor

Nome do Autor (Afiliação)

Doutor Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo – PPGCOM ECA/USP (2022). Pós-doutorado CPQ-ECA - Universidade de São Paulo. Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero (2006). Professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Pesquisador do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo / Universidade de São Paulo. Coordenador do Grupo de Trabalho (GT 2) Consumo, Comunicação e Organizações do Congresso ABRAPCORP (2023/2024).

E-mail: dzimmermann.daniel@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-6827-206X

Publicado
2025-05-20
Como Citar
DE MELO ALVES MEIRA, Karla; DUBOSSELARD ZIMMERMANN, Daniel. Brincar é consumir?: a midiatização da brincadeira infantil na plataforma Roblox. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 7, may 2025. ISSN 2675-4169. Disponível em: <https://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-resumos/article/view/1828>. Acesso em: 21 sep. 2025.