As Influenciadoras e as “Garotas do Alceu”: um estudo sobre corpo, comunicação e consumo
Resumo
Muito além das funções fisiológicas, não podemos negar que o nosso corpo exerce inúmeras outras funções, tais como a comunicação, e aqui não estamos nos limitando a comunicação verbal expressa por nos seres humanos, mas sim a uma comunicação corporal. Em outros textos, já trabalhamos as questões do corpo como um processo epistêmico comunicacional, mas nesse trabalho nosso foco é à compreensão do corpo também como objeto de consumo. Afinal, nos comunicamos por ele e consumimos essa comunicação, tais como os corpos-mídia (Hoff; Camargo, 2007) que auxiliam na criação de padrões a serem consumidos pelos outros corpos. Por isso, esse artigo busca compreender a relação entre corpo, comunicação e consumo, fazendo um paralelo entre as influenciadas digitais contemporâneas e as "Garotas do Alceu" da revista O Cruzeiro.
Dessa forma, visamos compreender, por meio desse artigo, o corpo como consumo, e compreendemos que esse ocorre pelo consumo dos discursos presentes nos corpos, ou seja, através de sua comunicação. Por isso, visamos delimitar também as narrativas presentes nos corpos, que auxiliam a demarcar o tempo e espaço presentes neles.
Assim, podemos compreender que os corpos são corpos sociais e políticos, carregados de discursos e valores que refletem a sociedade na qual estão inseridos, refletem os discursos presentes nessas sociedades e suas transformações, através de sua perfomatividade.
Inspirada nas observações de Rufino (2017) sobre a coluna “Garotas do Alceu” e a representação de moda e do consumo feminino no Brasil, visamos fazer uma revisão bibliográfica sobre o corpo como forma além de comunicação e de discurso, mas também como consumo fazendo reflexões sobre as influenciadoras das redes sociais, as “Garotas do Alceu” do século XXI, visando responder de que maneira o corpo funciona como objeto de consumo na comunicação midiática, comparando as influenciadas digitais atuais com as “Garotas do Alceu” da revista O Cruzeiro.
No seu trabalho, Rufino (2017) analisa a coluna “Garotas do Alceu”, que fazia parte da revista O Cruzeiro, referência de moda e comportamento para as mulheres da época. Atualmente podemos pensar que as influenciadoras de moda exercem esse papel, assim como as “Garotas do Alceu” elas também são referências e exemplos a serem seguidos tanto no quesito moda, quanto no seu comportamento, na forma de expressar e comunicar seus corpos, servindo como um capital corporal, que será explicado adiante.
Antes de adentrarmos nas questões dos corpos, iremos expor a relação entre comunicação e consumo, nos baseando em Douglas e Isherwood (2004). Os autores nos apresentam o consumo como um fenômeno cultural e como uma forma de entender a vida contemporânea, compreendendo o consumo como do campo da antropologia.
Dessa forma, entendemos o consumo muito além das funções básicas de necessidade, mas através do seu valor simbólico, para exemplificar podemos pensar nas nossas escolhas de vestimenta, que são, sim, para uma necessidade de se cobrir e proteger do frio, mas não usamos sempre as mesmas roupas, existe uma moda, uma comunicação nas nossas escolhas. Douglas e Isherwood (2004) nos apresentam o valor informacional do consumo, e assim podemos compreender que comunicação e consumo são processos interdependentes e que se retroalimentam, afinal, nós nos comunicamos pelo consumo, ao mesmo tempo que consumimos.
Baccega, Carrascoza e Rocha (2011) reforçam essa relação ao nos apresentar que por meio do consumo que o indivíduo se apresenta para a sociedade, através dos diálogos formados pelo consumo, como pode ser observado no trecho abaixo:
O consumo é um dos indicadores mais efetivos das práticas socioculturais e do imaginário de uma sociedade. Manifesta, concretiza tais práticas. Revela a identidade do sujeito, seu “lugar” na hierarquia social, o poder de que se reveste. Como os meios de comunicação, o consumo também impregna a trama cultural. (Baccega; Carrascoza; Rocha, p. 113, 2011).
Assim, podemos pensar sobre a identidade e como esta é uma construção social, em conjunto. Como nos comunicamos pelo o que consumimos, mas também por como consumimos a identidade dos outros corpos através do consumo, como, por exemplo, os corpos dos galãs de novela, o corte de cabelo de alguma personagem, a roupa e estilo de alguma banda musical, todas essas informações que recebemos através dos corpos presentes na mídia, corpo-mídia (Hoff; Camargo, 2007), e que além de serem corpos políticos, também são corpos que representam o belo, o desejável, servindo como padrões para serem seguidos pela sociedade.
Atualmente, os corpos-mídia não se restringem aos atores, cantores e modelos, podemos pensar também nas influenciadoras, que surgiram por meio das redes sociais e hoje são responsáveis por representarem esse padrão do desejável pela sociedade, assim como as “Garotas do Alceu” eram para aquela época. Á exemplo podemos pensar nas semanas de modas, que antes eram frequentadas apenas pela mídia, jornalistas que cobriam e eram responsáveis por transmitir a informação de quais seriam as próximas tendências, e como hoje em dia há um grande fluxo de convite para as influenciadoras, que são responsáveis por transmitir aos seus seguidores as grandes tendências, assim como a mídia, as revistas e portais especializados.
Karhawi (2016) nos apresenta o conceito do eu como mercadoria, ou seja, que as influenciadoras também passam a ser compreendidas como uma mercadoria, além de também serem uma forma de mídia. Assim, podemos compreender que, por meio da comercialização da própria imagem, as influenciadoras passam a ser um objeto de consumo, uma mercadoria, afinal ele passa a ser comercializado, como moeda, junto às empresas e marcas.
Mas antes mesmo desse corpo se tornar esse objeto mercantilizado, uma moeda de troca, não podemos ignorar que esse feito se dá pela credibilidade e conexão que essa influenciadora tem com seus seguidores, pelo consumo de suas comunicações, e é nesse consumo que estamos interessados nesse estudo. Não podemos ignorar que atualmente os influenciadores também comercializam a sua imagem, como moeda realmente, mas aqui não nos limitamos a esse consumo. Há um consumo informacional e pedagógico das influenciadoras por parte dos seus seguidores, muito além do consumo de bens, elas, novamente, assim como as “Garotas do Alceu”, e como um corpo-mídia, transmite uma comunicação do corpo belo, desejável, a forma de se portar, de se vestir, de uma identidade.
Nos interessamos pelo que Appadurai (2010) nos apresenta como troca comunicacional e o consumo dessa troca, ou seja, pelo consumo da comunicação gerada entre influenciadora e seguidores. Essas trocas comunicacionais são onde se estabelecem as relações sociais e, por meio delas, são criadas pontes ou cerca, como nos apresenta Douglas e Isherwood (2004), ou seja, o consumo pode tanto aproximar como afastar pessoas. A exemplo, podemos pensar nos torcedores do Palmeiras, mesmo não se conhecendo, se duas pessoas se encontram com camisetas do seu time, elas já têm uma aproximação. Ou até mesmo os jogadores de Pokemon, que acabam formando uma comunidade entorno desse tema.
Da mesma forma, podemos pensar as influenciadoras e seus seguidores, antes mesmo do seu corpo se tornar uma mercadoria para as marcas, ela já tem seu corpo consumido pelos seus seguidores, assim como acontecia com as “Garotas do Alceu”. Há um consumo dos padrões ali expostos, da forma de se comportar, das roupas, de como se comunicar, há um consumo das comunicações daquele corpo. Afinal, nos comunicamos pelo consumo, e consumimos a informação, a comunicação e, no caso do corpo, a identidade, ou seja, podemos observar nesses corpos um consumo das performatividades ali presentes, que serve como padrões para outros corpos, um exemplo, podemos refletir sobre o “look do dia” que inúmeras influenciadoras fazem e que podemos observar um consumo do estilo de se vestir da influenciadora por parte dos seus seguidores, eles consomem a informação de moda que ela transmite, a forma de se vestir.
Outra questão que podemos pensar quando observamos o consumo dos corpos, tanto das “Garotas do Alceu” quanto das influenciadoras, é a questão do corpo como capital social. Como observamos acima, temos um consumo por meio da comunicação dos corpos, das roupas, dos gestos, mas também dos gostos.
Nos baseando nas questões apresentadas por Bourdieu (2007) sobre a distinção, ou seja, analisando como os gostos estão relacionados as classes sociais, podemos relacionar que o que consumimos, as nossas preferências estéticas e culturais se relacionam a classe social a qual pertencemos e se diferenciam de outras. E assim podemos pensar no corpo como um capital social, ou seja, como uma forma de nos distinguirmos na sociedade, mostrando assim como nosso corpo comunica quem somos, ao mesmo tempo que é consumido pela sociedade.
Assim podemos observar que o corpo é sim um processo epistêmico comunicacional, como já tínhamos exposto acima e em outros trabalhos, mas como tal é também um processo epistêmico de consumo, afinal como nos apresenta Douglas e Isherwood (2004) há um consumo da informação, da comunicação, e como o consumo é interpretado, nesse trabalho, pela antropologia ele é um consumo simbólico, não puramente para suprir necessidades, sendo assim uma forma de comunicação. Ou seja, consumimos os corpos, pois nos comunicamos por ele, assim consumimos pela comunicação e nos comunicamos pelo nosso consumo.
Nesse ponto, podemos pensar nas trocas comunicacionais, apresentadas por Appadurai (2010), reforçando a ideia de que nos comunicamos pelos nossos corpos e consumimos os corpos da sociedade tanto para nos comunicarmos quanto para a performatividade da nossa identidade. Além de também ser um capital social, servindo como capital para comunicação e consumo das classes sociais, demonstrando a distinção, como nos apresenta Bourdieu.
Outro fator importante, é que como consumimos o corpo através da sua comunicação, ou seja, consumimos seus discursos, então consumimos toda uma ideologia, todo o saber de uma época, assim através do consumo dos corpos conseguimos observar o consumo das narrativas presentes, que auxiliam a demarcar o tempo e espaço presentes neles.
Dessa forma, fica claro o consumo dos corpos e, para exemplificar, nesse trabalho, observamos essas reflexões através dos corpos presentes nas mídias atuais, tais como as influenciadoras, fazendo uma relação com as “Garotas do Alceu” apresentadas por Rufino (2017).
Referências
APPADURAI, Arjun. “Mercadorias e a política de valor”. A vida social das coisas. Niterói: Editora da EFF, 2010.
BACCEGA, Maria Aparecida; CARRASCOZA, J. A.; ROCHA, RDM. Inter-relações comunicação e consumo na trama cultural: o papel do sujeito ativo. 2011.
BOURDIEU, P. 2007. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Porto Alegre,
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro. 2004.
HOFF, Tânia Márcia Cezar; CAMARGO, Francisco Carlos. Corpo-Mídia: corpo disciplinado. Vol. 7–nº 1–1º semestre 2007–ISSN 1676-3475, p. 21, 2007.
KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais: o Eu como mercadoria. In. SAAD-CORRÊA, E. N.. SILVEIRA, SC Tendências em Comunicação Digital. São Paulo: ECA-USP, 2016.
RUFINO, CARINA BORGES. [pt] AS GAROTAS DO ALCEU: JORNALISMO DE MODA E CONSUMO FEMININO NO BRASIL (1938-1964). 2017.