Há perigo na esquina: trabalhadoras de plataformas digitais, saúde e precarização do trabalho
Resumo
O ano de 2022, dois anos após a notificação da pandemia de Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), trouxe um novo cenário na esfera do trabalho. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais de 1,5 milhão de pessoas já trabalhavam, àquela época, por meio de aplicativos e plataformas digitais. Isso correspondia a 1,7% da população ocupada no setor privado no Brasil, em um contexto marcado pela ausência de direitos trabalhistas, jornadas de trabalho intermináveis, esgotamento e adoecimento desses(as) trabalhadores(as).
Desse total, 6% são mulheres, aproximadamente 60 mil trabalhadoras. Segundo W. F. Pessoa (2024), o cotidiano das mulheres que trabalham por aplicativos — particularmente as motoristas — envolve precarização e violência. Embora, nos últimos anos, as plataformas de transporte individual de passageiros tenham estimulado a entrada de mulheres motoristas parceiras com o objetivo de reduzir incidentes de assédio e violência (PEREIRA; ARRIBAS; CARDOSO, 2021) contra clientes, a preferência pelas mulheres trabalhadoras não se reflete nos salários. De acordo com os dados da PNAD 2019, o rendimento das mulheres representava, em média, 77,7% do rendimento dos homens (R$ 1.985 frente a R$ 2.555), conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019.Além disso, a violência de gênero também encontra espaço nas rotinas enfrentadas pelas trabalhadoras. Agressões que têm um componente comum: o silêncio da sociedade civil ante a grave crise humanitária que atinge trabalhadores(as) por aplicativos e cuja dimensão de gênero encontra igual desconhecimento.
Segundo Carol Alves, coordenadora do Coletivo Elas por Elas Providência — fundado em 2020 para acolher trabalhadoras em situação de vulnerabilidade devido à pandemia —, “as condições de trabalho das mulheres trabalhadoras informais são marcadas por extrema precariedade e vulnerabilidade sem qualquer tipo de proteção social ou trabalhista”, denuncia Carol.
A partir desse cenário, este trabalho busca analisar as consequências humanas geradas pela crescente expansão do trabalho por meio de plataformas digitais, configurando um ambiente de crescente precariedade, com graves efeitos na saúde dessas trabalhadoras, visto que o ambiente midiatizado de trabalho reflete e agrava as múltiplas violências sofridas em diversas camadas da esfera social.
A pesquisa resulta de uma parceria entre a ENSP/Fiocruz e a UFF e busca discutir e transformar as condições de saúde e os direitos dos trabalhadores por aplicativos, propondo alternativas que possam gerar ações concretas nesse campo. As atividades envolvem o desenvolvimento de uma campanha com debates e oficinas de comunicação, além de ações de comunicação publicitária e produção de reportagens, realizadas por uma equipe de estudantes de publicidade e pesquisadoras de jornalismo do Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops), coordenado pela professora de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Patrícia Saldanha.
No aprofundamento do debate sobre plataformas digitais e saúde, nasce a proposta do presente trabalho, que busca refletir sobre e propor caminhos para a garantia da saúde e a luta por direitos das trabalhadoras, tema que pretendemos desenvolver ao longo desta proposta.