A face oculta das plataformas digitais: Trabalhadores/as por aplicativo em condições de trabalho exaustivas e o riscos à saúde
Resumo
No século XXI vem se modificando de forma significativa a organização e a natureza das relações de trabalho associadas ao uso das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC). Na visão de Antunes (2018), percebe-se tanto a “derrelição e corrosão” da legislação protetora do trabalho, com a imposição de uma nova legislação que promove um grave retrocesso, permitindo as formas mais arcaicas de exploração, a exemplo do aconteceu com a legalização do trabalho intermitente na contrarreforma trabalhista realizada pelo governo Temer em 2017. O autor se refere à reforma trabalhista que entrou em vigor no Brasil em 2017, sancionada pelo então presidente Michel Temer, que “altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), (…) e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho” (Brasil, 2017, s/p.). Com isso, amplia-se a flexibilização e precarização das condições de trabalho, que são aprofundadas ainda mais com o avanço da midiatização e o surgimento das plataformas digitais.
Para Stig Hjarvard (2014), a midiatização se constitui como um processo de dupla face, em que a mídia se transformou em instituição semi-independente e à qual as demais instituições precisam se adaptar. Assim, a mídia, a partir dos meios de comunicação interativos como pelos meios de comunicação de massa, já se integrou ao cotidiano de outras instituições como política, família, trabalho e religião, se integrando às relações sociais. Somado a esse cenário surge o debate da uberização do trabalho, que na concepção de Antunes e Filgueiras (2020), somente pode ser compreendida e usada como expressão de modos de ser do trabalho que se expandem nas plataformas digitais, em que as relações de trabalho se tornam cada vez mais individualizadas e invisibilizadas, assumindo a aparência de prestação de serviços.
Mas, os traços constitutivos de sua concretude, (...) são expressão de formas diferenciadas de assalariamento, comportando tanto obtenção de lucro, exploração do mais valor e também espoliação do trabalho, ao transferir os custos para seus/suas trabalhadores/as que passam a depender diretamente do financiamento de suas despesas, que são imprescindíveis para a realização de seu labor (ANTUNES; FILGUEIRAS, 2020, p. 32).
Nesse contexto, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o teletrabalho e trabalhadores/as via plataformas digitais, realizado em 2022, evidencia que entregadores e motoristas que atuam por plataformas digitais recebem, respectivamente, R$ 3,4 e R$ 1,9 a menos, por hora, do que os demais trabalhadores(as). A pesquisa também aponta que, no ano de 2022, o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços, o equivalente a 1,7% da população ocupada no setor privado. Sendo que, desse total, 52,2% exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, em ao menos um dos dois tipos listados (de táxi ou não). E 39,5% eram trabalhadores de aplicativos de entrega de comida, produtos etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços somavam 13,2%.
Portanto, a contrarreforma trabalhista, atualmente alguns trabalhadores(as) já realizam jornadas de trabalho com média de 12 horas diárias, sem reconhecimento de vínculo empregatício, a exemplo dos/as trabalhadores/as entregadores/as e motoristas por aplicativos, e outros/as informais do Rio de Janeiro, que enfrentam relações de trabalho de cada vez mais precárias, aumentando a insegurança em relação a acidentes e a violência de trabalho, além do crescimento no adoecimento entre a categoria. Em entrevista, o presidente da União de Motoboy e Bike (UMB)[1], no Rio de Janeiro, Roberto Neves (2024), explica que os trabalhadores/as por aplicativo enfrentam um conjunto de dificuldades diariamente nas ruas, que englobam desde as condições físicas, a falta de segurança, até o aumento das desigualdades sociais e econômicas.
Sofremos com a exposição ao sol e chuva, a falta de proteção adequada contra intempéries; com cargas pesadas na manipulação de pacotes, sem equipamentos adequados. Além de temer todos os dias o risco de acidentes de trânsito, violência física, como agressões de clientes, assaltos. Sofremos com a falta de equipamentos básicos de segurança, que não são fornecidos pelas empresas que controlam os aplicativos, como capacetes, luvas e óculos de proteção (NEVES, 2024).
Com base nesse contexto, este trabalho busca analisar as consequências humanas geradas pela crescente expansão do trabalho por meio de aplicativos, se tornando um ambiente crescente de precariedade, com graves efeitos na saúde desses/as trabalhadores/as, visto que o ambiente midiatizado de trabalho reflete e agrava as múltiplas violências sofridas em diversas camadas da esfera social.
A pesquisa resulta de uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio do o projeto de pesquisa e extensão "Saúde e direitos dos trabalhadores em tempos de plataformas digitais: um olhar sobre a atividade"[2], e procura debater e transformar as condições de saúde e os direitos dos trabalhadores por aplicativos, propondo alternativas com objetivo de promover ações concretas para a categoria desses/as trabalhadores/as. Conforme as pesquisadoras Letícia Masson e Cirlene Christo (2024) a pesquisa desenvolvida desde 2019, “traz evidências de mudanças significativas nas relações e condições de trabalho e no modo de controle operado por empresas-plataforma, com o uso de algoritmos” (2024, s./p.).
As atividades envolvem o desenvolvimento de uma campanha com debates e oficinas de comunicação, além de ações de comunicação publicitária e produção de reportagens, realizadas por uma equipe de estudantes de publicidade e pesquisadoras de jornalismo do Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops), coordenado pela professora de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Patrícia Saldanha.
Referências
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
ANTUNES, Ricardo; FILGUEIRAS, Vitor. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22409/contracampo.v39i1.38901
BRASIL. LEI nº 13.467. Brasília: 13 DE Jul. 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm.
HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2014.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) - 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/.
MASSON, Letícia; CHRISTO, Cirlene. Plataformas: O viver e morrer sobre rodas. Outras Palavras, 28 nov. 2024. Disponível em: https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/plataformas-o-viver-e-morrer-sobre-rodas/.
NEVES, Roberto. Presidente da União de Motoboy e Bike (UMB), Rio de Janeiro. Entrevista realizada por aplicativo de mensagem, em 10 de dezembro de 2024, no Rio de Janeiro, RJ.
[1] Entrevista realizada por aplicativo de mensagem em 10 de dezembro de 2024, no Rio de Janeiro, RJ.
[2] Saiba mais em https://www.instagram.com/saudetrabalhoapp/