A Zona Franca de Manaus e o desenvolvimento comunicacional-midiático da região Norte e demais regiões do Brasil, a partir das ondas da midiatização

  • Vanessa da Costa Sena Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Resumo

Com sede na capital do estado do Amazonas, desde a década de 70 do século XX, a Zona Franca de Manaus tem contribuído para o crescimento do ambiente comunicacional midiático local e nacional, por meio da produção e distribuição de eletroeletrônicos fundamentais à indústria da mídia no Brasil, como aparelhos de TV, rádio, telefone celular, câmera de vídeo, câmera fotográfica, aparelho de som, gravadores e computadores. Durante algumas décadas, foi uma das principais produtoras de eletroeletrônicos, chegando em determinados momentos a concentrar toda a produção nacional, principalmente de aparelhos de televisão[1].


Assim, a instituição da Zona Franca de Manaus como um modelo de desenvolvimento econômico pode ser percebida a partir da mídia, como um acontecimento histórico e midiático direcionado à região Amazônica, principalmente aos moradores locais, e consequentemente como resultado da amplitude que a ZFM adquire, alcançando regiões nacionais e internacionais, principalmente quando houve sua regulamentação, a partir de 1967.


Diante desse contexto e percebendo a região Norte, distante dos centros decisórios nacionais, como responsável pelo provimento de parte dos aparatos de infraestrutura de produção/recepção do sistema comunicacional midiático do Brasil, este trabalho tem como objetivo identificar aproximações da Zona Franca de Manaus e o processo de midiatização no Brasil a partir da abordagem das ondas da midiatização, com base em Couldry e Hepp (2013, 2017). Destaca-se que o período compreendido de observação apresenta dados até 2019, momento antes da pandemia do novo coronavírus.


 



  1. O desenvolvimento comunicacional-midiático das regiões brasileiras


 


A Lei Nº 3.173, de 06 de junho de 1957, criou a ZFM como Porto Livre. Um local que tinha entre suas finalidades o armazenamento e retirada de produtos e mercadorias de qualquer natureza oriundas “[...] do estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do rio Amazonas” (BRASIL, 1957, p. 01).


Após uma década de criação, o Governo Federal publicou o Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, dando início a uma área de livre comércio e exportação e de incentivos fiscais especiais. A nova resolução tinha como propósito regulamentar as atividades da ZFM, e criar condições econômicas para permitir o desenvolvimento do modelo de desenvolvimento econômico, diante dos fatores locais e distância dos centros consumidores de seus produtos.


A partir de 1967, a ZFM passa a ser compreendida por três polos econômicos (SUFRAMA, 2020): comercial, industrial e agropecuário. O primeiro foi bastante atuante até o final da década de 80, antes da abertura da economia brasileira. O industrial é considerado o principal eixo do modelo de desenvolvimento econômico implantado na região Norte, com a presença de indústrias nacionais e internacionais, gerando empregos diretos e indiretos à população amazônica, principalmente nos setores de eletroeletrônicos, duas rodas e químico, com a produção de televisores, aparelhos celulares, motocicletas e concentrados para refrigerantes. Já o agropecuário, comporta projetos voltados para as atividades de agroindústria, piscicultura e alimentos.


A política de incentivos da ZFM atraiu para Manaus filiais de multinacionais dotadas de marcas mundialmente conhecidas, como Nokia, Canon, Coca-Cola, Gillete, Harley Davidson, Sony, Philco, Phillips, Pioneer, Samsung, Panasonic e LG.


Além da geração de empregos diretos e indiretos no Brasil[2], o Polo Industrial de Manaus (PIM) tem contribuído para o desenvolvimento do setor de eletroeletrônico brasileiro e representa o maior centro de fabricação de produtos eletroeletrônicos da América do Sul[3]. A regulamentação da ZFM revolucionou e modernizou a vida brasileira pela introdução de tecnologias de ponta (BENCHIMOL, 1989). “A economia regional e nacional foi, assim, grandemente favorecida pelo surgimento do polo industrial e comercial de Manaus, tanto do ponto de vista cambial quanto do interesse e interiorização do desenvolvimento nacional” (BENCHIMOL, 1989, p. 25).


Até 2019 e após vivenciar desafios, o setor eletroeletrônico continuava atuante e contribuindo para o faturamento do Polo Industrial de Manaus. Os subsetores de eletrônico e bens de informática respondiam por quase metade do faturamento do PIM (49,52%). De acordo com o perfil das empresas com projetos aprovados pela Suframa (SUFRAMA, 2018), o polo de produtos do subsetor de material elétrico, eletrônico e de comunicação reunia o segundo maior quantitativo de empresas.


Segundo os indicadores de desempenho do PIM (SUFRAMA, 2019), até maio de 2019, a TV com tela LCD teve o melhor desempenho na venda de produtos, participando com faturamento no valor de US$ 1.878.621.807, seguida de telefone celular (US$ 1.176.048.051). Em termos de criação de emprego, o setor de eletroeletrônico sempre esteve configurado como o principal demandante de mão de obra. Em maio do ano passado, foram registradas 43.255 vagas preenchidas.


É no setor eletroeletrônico que está o principal e mais importante polo industrial da Zona Franca de Manaus, considerando os indicadores econômicos em relação ao número de empresas com projetos aprovados e em funcionamento, faturamento e quantitativo de trabalhos gerados diretos e indiretos. Os dados demonstram a importância da ZFM para o abastecimento do mercado brasileiro de bens de consumo duráveis. Portanto, considera-se o eletroeletrônico um dos mais importantes setores econômicos e de desenvolvimento, principalmente no século XXI, quando se vivencia a sociedade da informação.


 



  1. A ZFM no contexto das ondas da midiatização


 


Os desdobramentos da midiatização a partir da Amazônia contribuíram para o crescimento do ambiente comunicacional midiático local e nacional, por meio da distribuição e, posteriormente, com a produção de eletroeletrônicos fundamentais à indústria da mídia no Brasil. Assim, a fim de observar as contribuições da ZFM para o processo de midiatização no Brasil, parte-se das ondas da midiatização identificadas por Couldry e Hepp (2017), principalmente eletrificação, digitalização e com indícios da datatificação.


Couldry e Hepp (2017) entendem que a segunda onda, a eletrificação, está relacionada à transformação dos meios de comunicação em tecnologias e infraestruturas baseadas em transmissão eletrônica. Nessa época, mídia de vários tipos foram incorporadas a redes tecnológicas mais amplas, como redes elétricas e redes a cabo de rádio direcional. “This move is also a further step of interrelating media closer with each other, and so increasing the interdependences within the media environment” (COULDRY e HEPP, 2017, p. 44).


            Os autores reconhecem o período da eletrificação de 1800 a 1950, iniciada com o telégrafo e finalizada com as várias mídias de telecomunicação. Ao aproximar a segunda onda do processo de midiatização no Brasil, nota-se que há um desenvolvimento a partir da década de 1920, quando ocorre a primeira transmissão de rádio e, posteriormente, com a chegada da televisão ao país, em 1950. De acordo com Garcia (2004), o setor de eletrônica de entretenimento da indústria brasileira iniciou em São Paulo, no início dos anos 60, época dos televisores em preto e branco e dos rádios.


            Logo que foi regulamentada em 1967, a ZFM iniciou suas atividades voltadas para o comércio, convertendo-se em um importante centro comercial de importação. O centro da capital amazonense foi ocupado por centenas de lojas de diversas linhas de produtos de marcas reconhecidas no mercado internacional (GARCIA, 2004). Nesse período, Manaus foi a única cidade brasileira onde o comércio de mercadorias estrangeiras podia ser praticado livremente, tornando-se um polo de turismo de compras por atrair compradores de todas as regiões do Brasil.


O crescimento do comércio alavancou o setor de serviços e abriu perspectivas de emprego e renda na região. A demanda de passageiros e cargas no aeroporto da cidade determinou o aumento de quantidade de voos e a implantação de novas linhas aéreas, inclusive de trechos internacionais.


            Manaus foi um importante polo comercial de importação até o início da década de 1990, quando houve o impacto da política nacional de livre mercado. As vendas do comércio de importados perderam a densidade, a capital manauara deixou de ser o único centro supridor de bens de consumo importados no cenário nacional (GARCIA, 2004). A tradição de comércio importador, apoiado em produtos de marcas mundialmente consagradas não foi suficiente para conter “[...] e nem para impedir a prática de contrabando que fortaleceu o eixo de vendas da zona franca do Paraguai, de onde brotaram as inúmeras feiras do Paraguai, os sacoleiros e outros focos de comércio informal” (GARCIA, 2004, p. 108).


Paralelo ao desenvolvimento do comércio de importados, houve investimentos industriais e a construção de um distrito industrial. Já na década de 70, no universo de projetos industriais aprovados para funcionamento na ZFM, o setor eletroeletrônico se destacava com 19%. Entre as propostas aprovadas, estavam CCE, Evadin, Sharp do Brasil, Philips da Amazônia e Semp Amazonas S.A.


Na década de 80, a produção industrial da Zona Franca de Manaus não possuía concorrência no mercado brasileiro, e o parque industrial da ZFM era responsável pela produção de todos os televisores no Brasil, além de vários bens de consumo, como rádios e toca-fitas para automóveis e aparelhos de som (GARCIA, 2004).


Desde o fim do auge do setor de comércio de importados, o Polo Industrial de Manaus passou a ser a base da Zona Franca de Manaus. O centro comercial da capital já não possui mais as mesmas as características que eram praticadas no século passado.


Na terceira onda, as mídias eletrônicas tornam-se cada vez mais digitais.  Couldry e Hepp (2017) afirmam se tratar de uma onda tipicamente relacionada ao computador, internet e telefone celular. Sustentam que a internet “[...] is the infrastructure that makes possible the linkages between contemporany media devices with mainframe computers, large data centres[...] as well as links all our activities on countless digital platforms” (COULDRY e HEPP, 2017, p. 48).


Desde o início dos anos de 1970, Manaus é um dos locais para a montagem de televisores do Brasil e toda a produção de eletroeletrônico do PIM é para consumo em território brasileiro.


Por tratar-se da onda referente à digitalização, o PIM está entre os produtores de TV digital no Brasil. Além da televisão, o Polo Industrial também atua na produção de aparelhos de telefonia celular. Dispositivos presentes cada vez mais nas relações da sociedade e cultura. Depois da TV em LCD, o telefone celular é o segundo produto com faturamento, no setor de eletroeletrônico.


Após a digitalização, Couldry e Hepp (2017) afirmam que a sociedade está no estágio da midiatização profunda, onde pode ser identificada a quarta onda, a datatificação, que implica na produção de dados materializados e disponibilizados em espaço digitais. Manaus participa da quarta onda. Mas indaga-se o alcance e impacto, especialmente o usufruto da população local, tão envolvida na disseminação da quarta onda.


Diante da contextualização apresentada, compreende-se que a midiatização teve um desenvolvimento ampliado com o comércio de importados e produção de eletroeletrônicos como aceleradores da dimensão midiática da região Norte e das demais regiões do Brasil a partir dos anos de 1970.


 


 
Referências

 


BRASIL. Lei Nº 3.173, de 06 de junho de 1957. Cria uma zona franca na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, e dá outras providências. Rio de Janeiro, RJ, 1957. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3173.htm. Acesso em 11 de julho de 2017.


 


___. Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967. Altera as disposições da Lei número 3.173 de 6 de junho de 1957 e regula a Zona Franca de Manaus. Brasília, DF, 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm. Acesso em 11 de julho de 2017.


BENCHIMOL, Samuel. Zona Franca de Manaus: a conquista da maioridade. São Paulo: Sver Boccato, 1989.


 


COULDRY, N.; HEPP, A. Conceptualizing mediatization: contexts, traditons, arguments. Communicaton Theory, v. 23, n. 3, p. 191-201, 2013.


 


___. The mediated construction of reality. London: Polity, 2017.


 


GARCIA, Etelvina. Modelo de desenvolvimento Zona Franca de Manaus: histórias, conquistas e desafios. Manaus: Norma Editora, 2004.


 


SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus. Indicadores de desempenho do Polo Industrial de Manaus 2014-2019. 2019.


 


___ Perfil das empresas com projetos aprovados pela Suframa.  Abril/2018.


 


__. Modelo Zona Franca - O que é o Projeto ZFM? Disponível em: http://www.suframa.gov.br/zfm_o_que_e_o_projeto_zfm.cfm. Acesso em 30 de maio de 2020.


 


[1] “Em 1994, a produção nacional de televisores em cores, totalmente concentrada na Zona Franca de Manaus, totalizou 5.034.638 unidades” (GARCIA, 2004, p. 129)


[2] Até maio de 2019, foram gerados 85.175 empregos diretos no PIM (SUFRAMA, 2019).


[3] Disponível em http://www.suframa.gov.br/invest/onde-eletro-info.cfm. Acesso em 29 de julho de 2020.

Publicado
2020-10-27
Como Citar
SENA, Vanessa da Costa. A Zona Franca de Manaus e o desenvolvimento comunicacional-midiático da região Norte e demais regiões do Brasil, a partir das ondas da midiatização. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 4, out. 2020. ISSN 2675-4169. Disponível em: <http://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-resumos/article/view/1181>. Acesso em: 16 abr. 2024.