Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Circulação e midiatização capitalizadora nas sociedades hipermidiatizadas 161 Essa obediência é contornada por meio de uma estratégia comunicacional que a apresenta como rebelde, seu oposto. A publicidade usa essa estratégia com frequência. Os enunciatários são convidados a ser livres e rebeldes, desde que não ameacem o sistema, desde que sejam obedientes. Senão, virão os antide- pressivos, os cassetetes, a prisão, o cancelamento; a sociedade é líquida desde que obedeçamos, senão se torna bem sólida. Como diz McGowan, “ironicamente, apesar de todas as reivindicações de radicalidade feitas hoje, muito poucos questionam o funciona- mento do capitalismo global” (ibid., p. 192). A extrema-direita o questiona, mas de ummodo que só arrebenta a civilização, tanati- camente, contra o mais-valor de vida8. Diz o autor: Somente entendendo essa obediência aos ditames do capitalismo global como obediência é que po- demos ter esperança de sair dela. O capitalismo global parece um horizonte insuperável simples- mente porque não reconhecemos adequadamente nosso próprio investimento em sustentá-lo. Vemos isso como insuperável porque não queremos perdê-lo – e a satisfação imaginária que ele pro- porciona (ibid., p. 193). Jameson (1996) já dizia há décadas que o único valor universal depois da entrada em cena do neoliberalismo com Thatcher e Reagan é o mercado. As pessoas vivem no sistema como se fossem outsiders, sem pensar que poderiam alterar o funcionamento tanático do sistema. A única forma de criar no- vos universais é entrando novamente nessa sociedade, reconciliando-nos nela por meio de uma compreensão de como se dá nosso próprio investimento nela: Quando nos reconhecemos como sujeitos da socie- dade do gozo e do capitalismo global, ao invés de sujeitos na marginalidade ou isolados, damos um salto para além dessa sociedade. Os limites da so- ciedade do gozo são limites assustadores, precisa- mente porque não podemos reconhecê-los como 8 Mais-valor de vida é termo de Brian Massumi (2020), que esclareceremos mais adiante.

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