Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

José Luiz Aidar Prado 162 tal. Ao reconhecer esses limites – ao reconhecer a extensão de nossa obediência – encontramos uma maneira de sair dessa obediência (MCGOWAN, 2004, p. 194). Outrora, nas sociedades na época de Freud e na mo- dernidade operava o supereu da proibição, em que a autoridade simbólica não encorajava o gozo dos súditos; com a entrada no terceiro espírito do capitalismo, que alguns chamam de socieda- de líquida, outros de neoliberalismo, ou de pós-modernismo, o funcionamento social encoraja os consumidores a gozarem: “na sociedade do gozo, o gozo surge pela primeira vez como pos- sibilidade prática” (ibid.). Para McGowan, ambas as sociedades usam a imagem sedutora do gozo definitivo, completo. Em uma, o sujeito deve sacrificar esse gozo total, na outra, deve buscá-lo. Ele constitui uma isca: “enquanto os sujeitos permanecerem en- cantados por um gozo não assombrado por nenhuma falta, eles não poderão escapar da sujeição que torna o gozo impossível” (ibid.). Trata-se de um ideal impossível de atingir e que bloqueia o sujeito para que busque gozos parciais, possíveis. O gozo parcial tem um conteúdo político precisa- mente por causa de sua conexão com o outro. O sujeito do gozo parcial é comprometido não só com seu próprio gozo, mas também com o gozo do outro. Tal sujeito reconhece que não se pode dife- renciar entre os dois; não se pode escolher o gozo para si mesmo enquanto recusa o gozo do outro. Aceitar a parcialidade do próprio gozo é, ao mes- mo tempo, abraçar o gozo do outro (ibid., p. 195). Isso se conecta com a operação política e semiótica de sujeitos voltados à semiótica da mistura e não da triagem9 e com 9 Zilberberg e Fontanille desenvolvem a semiótica da triagem, em que se aposta nos valores absolutos, de fechamento, e uma semiótica da mistura, em que se aposta nos valores universais, de abertura. Dizem os autores: “para o regime que visa aos valores de absoluto, o máximo de intensidade está associado à unicida- de, ou seja, a uma grandeza definida por sua tonicidade e sua exclusividade; no plano discursivo, essa grandeza será qualificada de ‘sem paralelo’, ‘inigualável’, ‘única’...: ele apenas ou ela apenas serão os únicos predicados desta concentra- ção de valor [...] No outro regime, a importância dos valores é função de sua extensão; o limite corresponderia, entre outras coisas, ao imperativo categórico

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