Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Circulação de rostos: da fórmula mágica à resistência 171 ção de conflito é um procedimento que vem sendo adotado, historicamente, pelos meios. Porém, para além do uso da fotografia simplesmente, percebe-se que nos últimos anos há uma amplia- ção de imagens de rostos de crianças postas em circulação. Se tomarmos a menina afegã como uma referência que se “insta- la” no imaginário social e coletivo, podemos pensar que outras imagens de crianças publicadas posteriormente carregam uma espécie de poder simbólico derivado desta produção primeira. Quando observamos as imagens de crianças como Omran Da- qneesh, de 5 anos, resgatado na Síria em 2016, Aya em Aleppo, no mesmo ano, ou da pequena Fernanda Davila, de 2 anos, imi- grante de Honduras nos Estados Unidos, podemos perceber que há uma espécie de fórmula mágica em execução: crianças muito pequenas são registradas vivas apesar de estarem em conflitos dos mais variados tipos. Sua exposição midiática atrai olhares para as questões que indiciam. Ou seja, quando vemos a imagem de Aya ou de Omran Daqneesh, temos uma sensação tão inquisidora como no caso da menina afegã. Preservadas as dife- renças de ângulos, de qualidade imagética, de quem produziu o registro, temos imagens de crianças atingidas em seus direitos que nos olham, devolvendo ao espectador não apenas o papel de observador, mas de um agente de mudança. Esta mudança se manifesta pela possibilidade de circulação dos sentidos sobre os conflitos. Seus rostos são mais do que capas ou fotos-registro, são estopins para um complexo processo de atribuição de valores (ROSA, 2019) nas interações. Isto se deve, em parte, a que, diferentemente dos anos 80, quando vivíamos uma fase inicial da tecnologia, a partir de 2010 as imagens são rapidamente propagadas, mas não é a sua propagação que determina a circula- ção, visto que são fenômenos distintos. A circulação, em nossa ótica, a partir dos estudos de Verón, Fausto Neto, Cingolani e Carlón, dá conta de um processo mais profundo que lida com a produção efetiva do sentido e que está ancorado na impossibilidade de coincidência. Verón (1980, p. 201) indica que “qualquer nível da produção de sentido em que nos coloquemos, qualquer que seja o lapso de tempo his- tórico que recortemos, gramáticas de produção e de reconhecimento não coincidem jamais exatamente”, isto porque ambas as gramáticas são submetidas a desajustes. Ou seja, a produção

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