Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Igor Sacramento 264 president, legitimized by the contemporary epistemological regime marked by testimonial ethos and post-truth political prac- tice, overvalues experiential truth as a way of denying the exper- imental truth produced by scientific studies that have shown the ineffectiveness and lack of safety offered by the drug to people infected with the new coronavirus (SARS-CoV-2). Keywords: Testimony. Truth. Health. Hydroxychloroquine. Bolsonar J o á . há algum tempo a expressão “pós-verdade” vem sendo usada como conceito. Palavra do ano em 2016, segun- do o Dicionário de Oxford, referia-se tanto à atmosfera política que levou à eleição de Trump e ao Brexit quanto à disseminação massiva de notícias falsas. A “pós-verdade” abrange pelo menos três fenômenos distintos, embora vinculados: as consequências na vida pública contemporânea da comunicação em rede, a liberação de um novo tipo de discurso político e público fundado no desprezo pelos fatos e conhecimento científico consensuado, e a realização de diagnósticos e prescrições que proclama o fim da verdade e dos valores do conhecimento científico. Mas esses fe- nômenos não se implicam nem formam um todo coeso que nos faça acreditar que entramos absolutamente em uma nova era. 2 2 Uma distinção clássica, que remonta pelo menos a Platão, é aquela entre doxa e episteme. Doxa é uma palavra grega antiga que significa crença comum ou opinião popular. Platão usou o conceito de doxa para criticar a democracia ate- niense, acreditando que a crença e a opinião popular eram facilmente manipu- ladas. Para Platão, doxa e episteme estavam em oposição e doxa representava uma ameaça à pureza do conhecimento realmente verdadeiro. Aristóteles tinha uma visão diferente e acreditava que a doxa era um momento no caminho para o conhecimento e cunhou o termo endoxa para denotar conhecimento que pas- sou no teste do tempo e foi sujeito a uma crítica por meio de argumentos. Eram as crenças comumente sustentadas aceitas pelos sábios e pelos mais antigos e influentes retores. Os gregos também usavam outro termo para conhecimento, que se refere a um tipo particular de conhecimento pessoal. Esta foi a gnose, baseada em conhecimento na experiência pessoal. Novamente, isso se relaciona com a epistemologia do ponto de vista, bem como a ideia muito abusada nos de- bates contemporâneos em torno da experiência vivida. A diferença entre doxa e episteme é central para a epistemologia. Trata-se, em geral, do estabelecimento da diferença entre acreditar em algo e saber algo. A ciência moderna formali- zou essa distinção e elaborou um conjunto de procedimentos que lhe permitem existir, em graus variados de confiança, precisão e certeza. Nesse sentido, a ciên- cia pode ser entendida como um processo que especifica diferentes níveis de incerteza sem nunca atingir a posição de certeza. No entanto, há um conjunto variável e significativo de pressupostos e consensos, fundamentos por meio dos

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