Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Midiatização, pós-verdade e produção de conhecimento sobre a COVID-19 265 Em primeiro lugar, argumentou-se que a pós-verdade se refere à já conhecida situação criada pela intensa presença das tecnologias da internet na produção e recepção da informa- ção e seus efeitos no espaço público. Embora a informação deva ser acessível a todos e em qualquer lugar, ela se torna tão abun- dante que satura o espaço da mídia e o desregula. Embora fos- se possível, com a velha mídia, referir-se a fontes relativamente confiáveis, ou pelo menos verificar se o eram, a abundância de fontes criou uma desconfiança generalizada, levando os consu- midores de informação a se afastarem delas. Em vez disso, observamos mais frequentemente que as redes sociais online estão alterando significativamente as relações sociais e os processos políticos. Davis (2019) cita duas outras palavras-chave do nosso tempo: pós-verdade e pós-democracia. Tomada em conjunto, esta tríade tropológica indica um estado de incerteza em vez de uma descrição convincente de uma nova ordem político-comunicativa. A ideia de uma esfera pós-pública designa o colapso de um modelo existente, sinalizando incerteza sobre quanto tem- po vai demorar para outro conjunto se desenvolver. Claro, não podemos ter certeza quando, ou mesmo se isso vai acontecer. No contexto de instabilidade atual, porém, vale lembrar que a mudança estrutural sempre impulsionou as concepções da esfera pública, o que resultou em reconstruções periódicas de seu funcionamento. A esfera pública continua sendo um conceito-chave, foco heurístico e espaço para pensar sobre a prática da política democrática, embora muita discussão da comunicação política mediada lide com isso obliquamente e às vezes até defenda sua abolição. Sua ressonância contínua é evidente na ideia parasitá- quais a ciência e a tecnologia operam. Na era da pós-verdade, por outro lado, a doxa e a gnose parecem ter deslocado a episteme, pelo menos no domínio pú- blico, como a forma dominante de conhecimento. Essa ideia de doxa como o conjunto dominante de crenças tem, é claro, Pierre Bourdieu (2009) como o principal teórico. Para ele, a doxa é uma “fé prática”, uma experiência primeira do social. Faz parte dos pressupostos de inclusão num determinado campo. A fé prática, transversal à ideia de fé pragmática defendida por Immanuel Kant em Crítica da r zão pura, na qual a adesão ocorre pela necessidade da ação, é o di- reito que os campos sociais concedem a si mesmos para excluir aqueles que não aderem ao jogo. A doxa é o senso comum, aquilo sobre o que todos os agentes de um determinado campo social estão de acordo, e abrange tudo aquilo que é admitido como “sendo assim mesmo”.

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