Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

José Luiz Braga 54 ou tecnologia oferece (em sua fase inicial de entrada nos ambientes sociais) uns poucos processos – que chamarei de “fun- cionalidades imediatas”. Estas são relacionadas a problemas ou objetivos específicos da invenção técnica desenvolvida – basicamente, ao problema que estimulou a invenção tecnológica como estratégia de solução e é assim atendido. Por exemplo, o objetivo (e a funcionalidade imediata) da escrita terá sido o registro, para conservação e memória das coisas ditas. A funcionalidade ime- diata do rádio era a possibilidade de enviar mensagens de ponto a ponto para navios (“telegrafia sem fio”). Depois, sobre a invenção tecnológica, se desenvolve – por experimentação social diversificada – uma segunda inven- ção, de outra ordem. A tecnologia disponibilizada se oferece como um nicho, como condição dada para possibilidades a se- rem exploradas. Trata-se de tentar e testar outros processos in- teracionais, “desviando” o processo técnico para exercícios não previstos nem pretendidos na geração da tecnologia. É a essa se- gunda processualidade que caracterizo como “invenção social” – que não é produzida pela tecnologia, e sim por experimentação em circuitos comunicacionais – debates, críticas, reajustes e preenchimentos estratégicos – explorando as affordances para outras finalidades. Nesse desenvolvimento social (que é uma atividade de médio e longo prazo) vemos diversos movimentos. Um deles é o de retorno à própria tecnologia, levando seus especialistas a novas elaborações tecnológicas para atender aos objetivos e problemas surgentes. Outro movimento é o dos usuários de pro- cessos interacionais anteriores (em seus circuitos habituais), que buscam relações de nicho com as ofertas tecnológicas, in- ventando outros modos para aquelas atividades. Outro, ainda, são experimentações do novo: produção tentativa de ações, de objetivos, de possibilidades antes impensadas e não previsíveis, que podem agora ser geradas nesse novo nicho. Há descobertas e avanços. Por outro lado, hábitos e padrões são deslocados, em ritmos diferentes conforme os setores sociais, o que facilmen- te desequilibra processos sociais gerais estabelecidos e requer curadorias improvisadas. O que aprendermos nesse ritmo de sedimentação é o que fornecerá futuros modos de estabilidade interacional.

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