Sapiens midiatizado: conhecimentos comunicacionais na constituição da espécie

Ana Paula da Rosa 186 mas não necessariamente a de reconhecimento. Isto porque são conhecidas apenas por um curto período, o tempo do fato, e seus nomes, cidades e motivações pouco importam, porque são rostos alçados ao espaço midiático para “humanizar” questões políticas. No entanto, tal humanização implica uma apropriação da face, não efetivamente do rosto. Lévinas (1980) trata da diferença entre face e rosto. O rosto envolve o reconhecimento do outro como outro. Já a face é a expressividade plástica que nos dá contornos. O modo como o Outro se apresenta, ultrapassan- do a ideia do Outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se como um con- junto de qualidades que formam uma imagem. O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a ideia à minha medida e à medida do seu ideatum [...] (LÉVINAS, 1980, p. 37). Assim, quando pensamos no rosto das crianças da fa- vela nos deparamos com uma imagem apagada, mas isso não implica o fim do rosto. Ao contrário, talvez seja exatamente por sua não atribuição simbólica, sua negação como face na circula- ção midiática, o que permite um modo de resistência. Ou seja, a imagem negada das crianças assassinadas no Brasil possibilita uma luta contra um esvaziamento de sentidos pela simples re- plicação de uma fórmula e torna possíveis ressignificações. No caso das crianças sírias, vemos suas fotografias, mas elas ficam nas bordas da face. O sofrimento é intenso, mas não leva a mu- danças efetivas. A ausência de fotos das crianças das favelas, à exceção das imagens de arquivos, possibilita contra-agenciamentos como os desenvolvidos pela Redes da Maré, em que as- sume lugar ativo a produção de sentidos. Lévinas (1980), neste aspecto, já indicava que é impossível matar o outro, pois mesmo quando a morte se concretiza em ato, o outro escapa. Marcus Vinicius, Agatha, João Pedro escapam, mesmo sem um contorno de sua face. Neste sentido, o autor nos convoca a pensar uma

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